Existem, atualmente, diversas formas de contabilizar os prejuízos e danos provocados por uma tempestade como a que devastou a região de Valência, em Espanha, há quase uma semana. Seja através do número de estradas cortadas, de habitações que ficaram sem água ou eletricidade ou o número de vítimas mortais causadas, as chuvas e inundações na região espanhola deixaram um rasto de destruição que ainda não foi possível calcular.
Segundo o último balanço das autoridades espanholas, o número de mortes causadas pelas cheias e inundações de 29 e 30 de outubro é de 217. Um número que, segundo a proteção civil, pode vir a aumentar nos próximos dias à medida que são realizadas operações de busca e salvamento na região.
Este número tem vindo a ser atualizado pelas autoridades espanholas todos os dias, inicialmente com maior rapidez devido à localização em que se encontravam os corpos. Os restos mortais das pessoas que ainda se encontram desaparecidas podem estar agora debaixo de água, dentro de carros e habitações ou cobertos de lama, o que torna a sua recuperação mais dispendiosa e difícil, refere o jornal espanhol El País.
Para além da recuperação dos corpos, a identificação dos mesmos envolve a deslocação de equipas dedicadas ao mesmo. O processo consiste, segundo o periódico, que cita uma fonte do Centro Integrado de Dados, na atribuição de um código aos restos mortais encontrados bem como na recolha de impressões digitais e amostras biológicas para o caso de ser necessária uma análise de ADN para posterior identificação.
Os dados da autópsia são depois cruzados com as informações facultadas pelos familiares das pessoas desaparecidas e que envolvem, por exemplo, a existência de próteses, cicatrizes ou tatuagens. No caso das impressões digitais, estes dados são cruzados com a base de dados da polícia. Todos os corpos são depois transferidos pela Unidade Militar de Emergência (UME) da Cidade da Justiça de Valência, para a morgue em Fira Valencia.
O número de desaparecidos
Para além do número de mortos existe outra contagem devastadora, bem mais difícil de contabilizar no rescaldo de uma catástrofe de grandes dimensões: o número de desaparecidos. Até agora, ainda não foi tornado público o número total de desaparecidos após as inundações da passada semana. Numa entrevista à televisão espanhola RTVE, Fernando Grande-Marlaska, ministro do Interior, disse que ainda não é possível dar um “número certo” do total de desaparecidos. Uma falta de informação que, segundo os especialistas, resulta no aumento da sensação de desesperança e na extrapolação da situação.
Muitos das pessoas desaparecidas podem ter ficado presas em garagens subterrâneas, referiu o presidente da Câmara de Paiporta, uma das zonas mais afetadas pela tempestade. “Tudo indica que muitas pessoas morreram quando foram buscar o carro (…) Ainda não conseguimos aceder às garagens”, disse Maria Albalat, que revelou ainda ao El País. “Muitos ficaram com água até o pescoço. Muitos idosos que moravam no rés-do-chão e que foram apanhados pela chuva e não conseguiram sair também morreram”, acrescentou.
As operações de resgate, a cargo de militares, estão a incidir sobre a drenagem de dois grandes parques de estacionamentos de centros comerciais, nas localidades de Aldaia e Alfadar. Em Aldaia, por exemplo, o parque teria espaço para cerca de 5000 carros, mas estaria “com um nível mínimo de ocupação”, de acordo com o autarca da cidade. Nos locais encontram-se ainda equipas de mergulho que, no entanto, ainda não conseguiram mergulhar devido aos destroços.
De acordo com o jornal espanhol, as linhas de emergência que se encontram a funcionar em Valência pedem aos cidadãos que desejam relatar um desaparecimento que preencham um formulário sobre as pessoas que não conseguem localizar. Este formulário é depois utilizado para eliminar possíveis duplicações, caso tenham sido recebidas várias chamadas que relatam o desaparecimento de apenas uma pessoa. Mas esta base de dados ainda não foi tornada pública.
Já segundo o elDiario, a ata da reunião do Cecopi – Centro de Coordenação Operacional Integrado – de 1 de novembro, revela que foram recebidas mais de duas mil chamadas – um número que não deverá corresponder ao mesmo número real de desaparecidos. No entanto, os relatos de desaparecimentos continuam e as autoridades não revelam como são realizadas as listas de pessoas desaparecidas ou como são geridas.
“A metodologia utilizada para compilar os números não é normalmente divulgada; pode nem sequer existir”, explicou David Alexander, Professor na Universidade de Londres ao El País. Segundo o especialista, nas primeiras horas após um desastre, o número de desaparecidos “tende a ser exagerado e também pode haver dupla contagem”. Dias depois este número não oficial é quase 50% superior ao real.
Em Valência, as equipas de resgate estão a colaborar com as listas realizadas pela Cecopi e com os postos de comando avançados, que dividem os desaparecidos pela região afetada pelas cheias. “O primeiro fator que influencia a contagem oficial de mortos, feridos e desaparecidos é a qualidade da imagem operacional comum e a forma como esta é partilhada e coordenada entre as forças no terreno”, sublinha Alexander, que diz que é necessário criar mecanismos de comunicação entre os centros de informações e o terreno.
“Idealmente, deveria haver uma contagem cuidadosa dos três números (mortos, feridos e desaparecidos). Provavelmente, seriam necessários 10 a 14 dias para se chegar a um número final, mas sempre dependendo da magnitude da catástrofe, da dimensão da área geográfica e da população afetada”, acrescentou.
No entanto, à medida que o tempo passa as operações de busca e salvamento vão diminuindo, uma vez que as probabilidades de encontrar pessoas vivas diminuem. Segundo o especialista, a maior parte das operações de busca e salvamento são concluídas após a primeira semana.
Não existem muitos estudos académicos sobre a melhor forma de definir os números de vítimas causada por uma catástrofe natural de grandes dimensões, sendo dada uma maior importância, por parte da comunidade científica, à identificação das vítimas. Existem, no entanto, algumas orientações fornecidas por organizações como a Cruz Vermelha ou as Nações Unidas. “Em caso de inundações, os protocolos preveem a colaboração entre autoridades locais, forças de resgate e instituições de investigação para a recolha e análise de dados sobre desaparecidos. Esses protocolos incluem o uso de registos digitais centralizados para denunciar pessoas desaparecidas e a coleta de informações por meio de plataformas tecnológicas avançadas, como sistemas de informação geográfica, drones e sistemas de deteção geo espacial”, explicou Pier Matteo Barone, professor da Universidade Americana de Roma, ao El País. Estes protocolos determinam que a contagem de pessoas desaparecidas deve ser feita de forma paralela às operações de resgate.
Segundo Marlaska, o número de desaparecidos podem situar-se entre as dezenas ou centenas, não existindo qualquer certeza em relação ao seu número total. Em declarações, o ministro disse mesmo que dar um número de desaparecidos após uma catástrofe destas dimensões não é fácil e é “melhor não o fazer”.
Uma ideia contrária à dos especialistas, como Barone, que defendem que é necessário “garantir a transparência e a coordenação” dos diferentes elementos ligados às operações e que as autoridades não devem permanecer em silêncio. “Comunicar um intervalo estimado, mesmo que provisório, é preferível ao silêncio, porque dá às famílias um ponto de referência”, explicou Barone.