Os depoimentos, por via virtual, foram emitidos no rescaldo do recente bombardeamento israelita a uma coluna humanitária da World Central Kitchen (WCK) ou do ataque militar ao hospital Al-Shifa.
O ataque aéreo à equipa da WCK ocorreu na passada segunda-feira em Gaza, mas para Isabelle Defourny, presidente da organização não-governamental (ONG) Médicos sem fronteiras (MFS-França) não constituiu uma surpresa.
“O problema é a ausência e proporcionalidade, a forma como as forças israelitas atingem os hospitais e os trabalhadores humanitários, sob o argumento de atingir o Hamas e outros grupos armados. Não restam praticamente hospitais, a destruição do Al-Shifa, o maior de Gaza, também não foi surpresa porque estava a ser sistematicamente atacado. Uma guerra contra toda a população, também pela privação de alimentos”, indicou na sua intervenção.
Uma situação, adiantou, que descreve de “absoluto horror”, com Israel a bloquear de forma permanente a ajuda humanitária, com uma crescente deterioração da situação dos 2,3 milhões de habitantes, que poderá comparar-se a um genocídio. Pelo menos 32.000 mortos e “um número de feridos incontável” nos últimos seis meses, sem possibilidade de serem transportados para fora de Gaza e receber o necessário tratamento.
“A questão reside em parar esta guerra e as mortes em grande escala, a privação de comida, dos serviços básicos para a população de Gaza. Neste contexto, cada Estado que continue a fornecer apoio militar a Israel – dos EUA, Reino Unido, Austrália, países da UE como a Alemanha, França – todos são imorais e revelam cumplicidade política, num contexto em que diversos observadores consideram a situação que caminha para um genocídio. Pedimos aos Estados que exerçam a sua influência sobre Israel para que termine a carnificina e a destruição de Gaza”, disse Defourny.
Uma perspetiva partilhada por Karin Beattie da ONG Save the Children, e que tem estado presente no terreno desde janeiro.
“O sul de Gaza tem agora seis vezes mais população que a original. O lixo amontoa-se, os alojamentos são precários, e deparamo-nos com uma quase total falta de cuidados básicos, com consequências mais sérias para a população mais jovem”, revela.
“As crianças vivem uma situação terrível, fugiram de suas casas e confrontam-se com bombardeamentos todas as noites. Não vão à escola desde outubro, 90% das escolas foram danificadas, e muitas abrigam pessoas que abandonaram as suas casas”.
Para a responsável da Save The Children, e na eventualidade de um cessar-fogo que parece distante, é praticamente impossível o regresso das crianças à escola: “Levará meses”.
A saúde mental das crianças constitui outra preocupação central. “Recentemente, uma mulher disse-me que a saúde mental para os nossos filhos é mais importante que a comida”.
Karin Beattie sabe que, de momento, é impossível qualquer segurança, também defende o fim imediato do envio de armamento e lamenta as “14.000 crianças mortas na Faixa de Gaza” desde o início do atual conflito, que completa seis meses no sábado.
Nos campos de refugiados, um dos alvos privilegiados do assalto israelita, tudo falta, adianta Louise Bichet, dos Médicos do Mundo.
“Não há medicamentos, água potável, e proliferam as infeções. Existe exaustão e depressão na população… Uma preocupação com a recuperação mental da população, pelo que viram e sentem. Por isso, é importante o cessar-fogo imediato, o envio de ajuda suficiente, não existe justificação política para privar as crianças de alimentos”, disse Bichet.
Numa situação em que as ONG se confrontam com grandes dificuldades de movimentos, e também alvo de mortíferos ataques, a fome passou a ser utilizada como umas das armas pelo Exército israelita, adiantou.
“No norte de Gaza a população vive com menos de 245 calorias por dia, menos de uma lata de feijões por dia. E que representa menos de 12% das necessidades calóricas diárias médias”, susteve por sua vez Scott Paul, da ONG Oxfam, e com base num estudo da organização.
Por isso, não manifestou surpresa ao anunciar “que a fome iminente já está instalada no norte de Gaza”.
*** Pedro Caldeira Rodrigues, agência Lusa ***
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