Um dos grandes escritores portugueses da atualidade, já lá vai mais de meio século, escreveu o seguinte sobre a sua pátria adotiva: “É provável que sobre nenhum outro país se tenha escrito e escreva tanto como sobre a Holanda. As razões serão várias, mas viajante que demora ou estrangeiro que lá se instala raro escapa a de pronto querer desabafar. Sobre o clima, os costumes, as manhas, a bruteza, os vícios, a má comida (…). De facto são muitos os críticos mordazes de um país em que outros só veem campos de tulipas, moinhos a rodar serenamente, montes de queijo, diques, água, abundância de belas raparigas loiras e desempenadas.” Quando José Rentes de Carvalho incluiu este trecho na edição neerlandesa do seu livro Com os Holandeses, em 1972, Dilan Yesilgöz-Zegerius ainda não era nascida. Agora, os adjetivos que ele usa para designar as neerlandesas assentam, sem qualquer problema, à mulher que conheceu a luz do dia há 46 anos, em Ancara, na Turquia. A ministra da Justiça e da Segurança quer fazer história e vencer as eleições legislativas de 22 de novembro. Os também chamados Países Baixos nunca tiveram ninguém do sexo feminino para o cargo de primeiro-ministro – muito menos uma imigrante –, e a líder do Partido para a Liberdade e a Democracia (VVD) parece estar bem encaminhada para alcançar o objetivo: ocupar o principal gabinete do Binnenhof, o complexo arquitetónico erguido à volta do castelo gótico que alberga o Parlamento e a residência oficial do chefe do executivo, em Haia.
Para que não haja equívocos sobre o título deste artigo, Dilan Yesilgöz é uma liberal em matéria económica e de costumes, tendo já admitido que a principal inspiração ideológica é Frits Bolkestein (antigo comissário europeu e ex-líder do VVD, que integrou vários governos e foi diretor da Shell), ou seja: não é fã incondicional da Dama de Ferro que governou o Reino Unido entre 1979 e 1990. No entanto, como ela própria revelou, em outubro, ao enviado especial de The Times, há um objeto que as une: as malas Launer. Margaret Thatcher tinha várias, de diferentes cores, usava-as como imagem de marca e nelas guardava tudo o que lhe era precioso, nomeadamente discursos e notas pessoais. A liberal holandesa diz que só possui uma, adquirida pela avó Sara (cujo rosto tem tatuado num dos pulsos) e “é a única coisa com valor sentimental” que guarda em casa. A história desse adereço confunde-se com a trajetória pessoal e política de Dilan.