“Não podemos enfrentar as causas profundas da fragilidade e prevenir os conflitos se apenas 2% da APD está associada à prevenção de conflitos. Repito este número: só 2% de toda a APD é investida na prevenção de conflitos”, afirmou Moreira da Silva, em declarações na 3.ª Conferência sobre Fragilidade dos Estados – Desafios Globais e impactos em países afetados por conflitos, organizada pelo Clube de Lisboa e pela organização intergovernamental g7+.
Segundo o também diretor executivo do Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), o número de mortos em situação de guerra é hoje o mais elevado dos últimos 28 anos, as despesas militares atingiram o máximo histórico – 2,3 biliões de dólares, em 2022 -, 50% dos conflitos que se iniciaram em 2021 tornaram-se conflitos internacionais, e 25% da população mundial vive hoje em contextos de conflito ou de guerra.
Este quadro, sublinhou Moreira da Silva, existia já “antes da guerra na Ucrânia e antes dos choques mais recentes no Níger, no Sudão e agora em Gaza”, pelo que é necessária uma “nova agenda para a paz” — o primeiro de cinco “grandes desafios”, segundo o subsecretário-geral da ONU, que a humanidade hoje enfrenta – devidamente financiada, e que coordene de forma eficiente as dimensões humanitária, de desenvolvimento e de paz.
Segundo o presidente do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE, Carsten Staur, em declarações à Lusa no final da semana passada, a APD ascendeu em 2022 a 200 mil milhões de dólares, o que corresponde a 0,2% da economia mundial.
“Temos demasiado foco no penso-rápido e na ajuda de emergência depois do conflito deflagrar, mas investimos muito pouco na prevenção dos conflitos”, disse Moreira da Silva, defendendo que “é hora de assumir uma melhor coordenação, programação, planeamento e financiamento entre [os domínios] humanitário, de desenvolvimento e da paz”, assumidos pelo sistema das Nações Unidas.
“Existe ainda muita competição, muita concorrência, entre agências, entre protagonistas, entre atores, como se fizesse sentido continuar a arrumar estas coisas entre as caixinhas do humanitário, do desenvolvimento e da paz, e não criar condições para uma melhor coordenação”, criticou.
Também oradora na conferência que decorreu na Universidade Autónoma de Lisboa, Elizabeth Spehar, secretária-geral adjunta das Nações Unidas para Apoio à Consolidação da Paz, enquadrou as declarações de Moreira da Silva, relacionando-as com o apelo do secretário-geral da ONU, António Guterres, aos estados-membros, em julho, no sentido de “investirem mais na prevenção dos conflitos e na construção de paz”.
Guterres, recordou Spehar, apelou aos 193 estados-membros da ONU para elaborarem uma estratégia nacional para a paz, o que “foi muito significativo enquanto tentativa de mudar o paradigma, levando todos os estados membros a reconhecerem que têm certas fragilidades”.
“Precisamos de mobilizar as instituições financeiras internacionais, mas também o setor privado, no apoio a estas estratégias nacionais de prevenção. É algo em que o meu escritório está a trabalhar”, disse a responsável, revelando que está a desenvolver esforços “estreitos” com o Banco Mundial, o FMI e bancos de desenvolvimento regionais, para que “alinhem as suas prioridades com as prioridades dos estados no que diz respeito à paz e prevenção”.
Elizabeth Spehar lembrou ainda o relatório da OCDE de 2022 sobre os estados frágeis, segundo o qual a APD destinada aos países frágeis vai para “muitas áreas, mas muito pouco para a paz e muito menos ainda para a prevenção”.
“Se a memória não me falha, nos últimos anos, da totalidade da APD destinada a países frágeis e palco de conflitos, apenas 12% foi destinada a atividades relacionadas com a paz e apenas 4% – o Jorge disse 2% – foi para prevenção”, disse.
Um relatório de 2018 — “Caminhos para a Paz” –, sublinhou ainda Spehar, demonstrou que “cada dólar investido na prevenção permite a poupança de 16 dólares no longo prazo, dinheiro que, em alternativa, seria gasto na reparação de infraestruturas, entrega de ajuda humanitária, etc.”.
“Sabemos que isto tem que ser feito, mas o dinheiro não está a ir para aí”, lamentou.
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