Recentemente, na Indonésia, foram detidas cerca de 12 pessoas depois de, em julho, ter sido conhecido um caso que envolveu polícias e agentes de ligação da imigração, acusados de trabalhar em conjunto com traficantes de pessoas com o objetivo de enviarem até 122 cidadãos indonésios para o Camboja, onde os seus rins foram recolhidos para transplantação no Hospital Preah Ket Mealea, em Phnom Penh, capital do país.
O The Diplomat escreve que, alegadamente, nove dos suspeitos deste caso recente também tinham sido vítimas de tráfico de órgãos e terão, agora, servido de recrutadores de pessoas, recorrendo às redes sociais para atraírem as vítimas, que incluíam professores, operários de fábricas, empresários e guardas de segurança.
Além disso, o grupo criminoso incluía um agente da polícia e um agente de ligação da imigração, que atuava em Bali e que falsificava documentos para as vítimas viajarem, recebendo 200 dólares por cada uma.
Supostamente, todas elas terão concordado em vender os seus rins em troca de dinheiro. “A maioria das vítimas perdeu o emprego durante a pandemia e concordou em vender os seus órgãos porque precisava de dinheiro”, explica, citado pela mesma fonte, Hengki Haryadi, diretor do departamento de crimes gerais da polícia de Jacarta.
Segundo Haryadi, o grupo organizado de tráfico transnacional estava em operação desde 2019 e arrecadou cerca de 1,6 mil milhões de dólares ao longo dos anos, sendo que a cada vítima tinham sido prometidos cerca de 9 mil dólares por rim.
Os suspeitos enfrentam agora acusações pelo crime de tráfico de seres humanos, que pode levar a penas máximas de 15 anos de prisão e a uma multa de 39 mil dólares; já os agentes da polícia e de ligação da imigração enfrentam acusações adicionais relacionadas com abuso de poder e obstrução da justiça.
Ao mesmo jornal, a ativista idonésia Damai Pakpahan explica que a questão do tráfico de seres humanos na Indonésia, que voltou agora à tona com este caso, acontece no país por vários motivos, afirmando que, “devido à escassez de oportunidades de trabalho e à pobreza, as pessoas acreditam na informação online ou têm baixos níveis de alfabetização”, o que as torna muito vulneráveis a crimes deste tipo.
“As redes de tráfico de seres humanos que capturam vítimas entre os pobres, persuadindo-as a vender os seus órgãos vitais, são abundantes na Indonésia”, afirma, por seu lado, Gabriel Goa, presidente da organização não-governamental Advocacy Services for Justice and Peace in Indonesia (PADMA). “Como exemplo, temos esta rede que oferece dinheiro através da venda de órgãos retirados de hospitais (…) no Camboja”, acrescenta.
Goa afirma ainda que tem existido com muita regularidade casos de fraudes online que estão a enviar indonésios para as Filipinas, Camboja e Mianmar, sendo este “um tipo extraordinário de crime em todo o sudeste asiático.”
Medidas de combate ao tráfico suficientes?
Em 1987, a Organização Mundial de Saúde (OMS) expressou preocupação com o comércio de órgãos humanos, tornando-o ilegal, e solicitou que fossem tomadas medidas apropriadas para impedir a compra e venda de órgãos, tendo sido aprovados, em 1991, os Princípios Orientadores para o Transplante de Órgãos Humanos, atualizados em 2010.
A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) também aprovou uma resolução com o objetivo de fortalecer e promover medidas efetivas e cooperação internacional para prevenir e combater o tráfico de pessoas com o objetivo de extração e tráfico de órgãos humanos.
O comércio de órgãos humanos é ilegal na maior parte do mundo. No entanto, de acordo com a OMS, cerca de 5% dos transplantes em todo o mundo são ilegais, sendo que, de todos os órgãos, os rins são os mais procurados.
A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, também conhecida como Convenção de Palermo, foi aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em novembro de 2000, data em que foi colocada à disposição dos Estados-membros para assinatura, tendo entrado em vigor em setembro de 2003, e a Indonésia é sua signatária.
Mas Wahyu Susilo, diretor-executivo da Migrant CARE, a Associação Indonésia para a Soberania dos Trabalhadores Migrantes, afirma que tem havido “uma falta de esforço por parte das autoridades para implementar” as leis.
Também Pakpahan acusa o governo indonésio de não estar a cumprir o seu dever de “proteger o povo”, acrescentando que os “subornos e a corrupção agravam o problema.”
E a Indonésia tem, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), uma localização geográfica que pode exacerbar “a vulnerabilidade do país ao tráfico de pessoas, drogas e recursos naturais, bem como ao contrabando de migrantes”.
“Os chefes de estado e a polícia dos países do sudeste asiático deviam formar imediatamente uma task force dedicada à prevenção e erradicação do tráfico de pessoas no sudeste asiático”, afirma ainda Goa.