Os trabalhos arrancaram nos últimos dias na zona acima de Canalona, arredores da cidade do Mindelo, escolhida pela Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV) para o arranque do projeto “Luz para as meninas”, que consiste na colocação de painéis solares em 50 casas de lata.
Estes moradores, que dividem a vizinhança com chiqueiros, há muito que pedem também saneamento, numa paisagem dominada por casas de ‘tambor’, onde também não chegou eletricidade ou estradas. Os painéis solares que agora chegam representam o começo de sonhos que traçaram com o levantamento das chapas para a tão almejada casa própria, como Edilene Gomes.
Aos 30 anos é mãe de três crianças e vive na casa de ‘tambor’, feita de chapas, há aproximadamente três anos, enquanto espera um dia construir uma de blocos, sonho adiado por estar desempregada.
“Somos quatro a viver nesta casa e com este painel já não irei precisar ir à casa dos outros para recarregar o telemóvel, porque muitas vezes as pessoas já nem aceitam que use a eletricidade nas suas residências. Por isso a maior parte do tempo temos os telemóveis desligados”, explica, em conversa com a Lusa no dia em que a eletricidade, do painel solar, chegou à sua casa.
Com dois filhos a estudar, no quinto e sexto anos do ensino básico obrigatório, Edilene Gomes recorda que as crianças só estudavam de dia, algo que agora vai mudar, esperando que o aproveitamento escolar também melhore.
O projeto da OMCV prevê 100 destes ‘kits’ e o primeiro financiador, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, suportou o custo dos primeiros 50 painéis solares, que já começaram a fornecer eletricidade às primeiras casas.
Aquela Organização Não-Governamental está a trabalhar com a empresa Prosol e assim conseguiram reduzir os custos dos equipamentos num projeto que abrange ainda formação e instalação, avaliado em mais de um milhão de escudos (9.000 euros).
Carmelita Fortes mora neste bairro sem nome há alguns meses, com os filhos de seis e 11 anos, e tem finalmente eletricidade em casa: “Os dois estão na escola e agora já não precisarão mais de velas para estudarem à noite, que é perigoso, com risco de incêndio, já que estas casas são de fácil propagação de chamas”.
A cada casa beneficiada por este projeto, o engenheiro Marco Cruz, daquela empresa, explica aos moradores como tirar proveito desta doação. “Explico-lhes como funcionam os equipamentos, como fazer para que durem mais, como conservar a bateria porque se seguirem as recomendações o tempo útil dela é de no mínimo oito anos”, frisa o engenheiro.
A Prosol está envolvida desde o início neste projeto, tendo sido contactada por um dos precursores, salientando a utilidade do mesmo: “Não tivemos muitos ganhos financeiros com o projeto, pelo que tentamos que o equipamento fosse mais acessível possível para que mais famílias pudessem ser abrangidas”.
Os painéis irão permitir aos moradores terem luz durante a noite e garantir algo tão simples como recarregar o telemóvel, projeto que também já levou anteriormente ao município do Paul, ilha de Santo Antão.
“Fornecemos em 2018 à Câmara do Paul um equipamento parecido para oferecerem à população da comunidade de Santa Isabel que não têm acesso à eletricidade. Mais recentemente encontrei um fornecedor com estes outros equipamentos, mais interessantes por causa de algumas especificidades. Um deles é que para além de ser possível carregar o equipamento através de painel solar, como o outro, pode ser recarregado de forma manual, através de uma corda”, especifica o engenheiro, que espera que outras entidades, nomeadamente autarquias, agarrem a ideia e alcancem outras comunidades.
Com este projeto, a OMCV pretende chegar a cinco zonas da ilha de São Vicente, instalando painéis solares em dez casas previamente identificadas, em cada área, em que haja no mínimo uma menina a estudar, independentemente do nível de ensino.
“Este dinheiro não veio da igreja [Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias], veio de missionários como eu, de pessoas pobres e outras com algum dinheiro que contribuem para trabalhos humanitários em todo o mundo. Para nós não é apenas a luz física ou visível que estamos a entregar, é a luz de incentivar as pessoas a terem animo para melhorar as suas vidas, terminarem a escola e terem esperanças no futuro”, explica à Lusa Joseph Haynie, que se encontra em Cabo Verde, acompanhado da esposa, há oito meses.
Este é o quinto projeto financiado por membros daquela igreja, desde 2015 e o segundo por este grupo de missionários.
“Trabalhámos um projeto para levar água a famílias no Paul, que de outra forma não conseguem alcançar este bem, fizemos um trabalho com o hospital da Ribeira Brava, em São Nicolau, que precisava de muitos equipamentos e materiais. No Mindelo estamos a trabalhar com o Hospital Batista de Sousa, onde queriam um sistema para cadastrar os pacientes e a Igreja está a contribuir, para ajudar”, garante Joseph Haynie.
O cenário de informalidade é visível em alguns pontos da ilha de São Vicente, a segunda mais populosa de Cabo Verde e considerada a capital cultural do arquipélago, mas foi também confirmado pelos dados do quinto Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH-2021), realizado em julho de 2021 pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Dos 23.976 edifícios recenseados na ilha de São Vicente, apenas 68,5% estão concluídos, o terceiro pior registo dos 22 concelhos (nove ilhas habitadas). E desse total, 7,3% são considerados como edifícios “não clássicos”, que o INE descreve como barracas ou casas de bidão, a percentagem mais elevada do país e que corresponderá a 1.750 desses edifícios só em São Vicente, mais de metade dos 2.977 contabilizados em Cabo Verde.
As construções de casas informais nas ilhas de Cabo Verde têm aumentado, pois de acordo com dados do recenseamento realizado em 2010, foram identificados 1.603 edifícios “não clássicos” em Cabo Verde, pelo que os dados de 2021 indicam um crescimento de 85,7%.
A maioria das ‘barracas’ está localizada em São Vicente (7,3%), seguindo-se o Sal (6,6%) e a Boa Vista (3%).
SYN // VM