Para tal, terão de ser cumpridas algumas condições, como explicou em entrevista à Lusa, Jorge do Amaral, que lidera a Alcaal, o grupo argentino que tomou conta da fábrica no âmbito do Programa de Privatizações do executivo angolano, através de um contrato de gestão com a empresa Investimentos e Participações (IEP).
“Ainda estamos muito longe de atingir a capacidade máxima de produção da fábrica”, admite o presidente executivo da Alcaal.
A fábrica produz atualmente mais de 50 mil metros de tecido/mês, mas pode produzir até 800 mil metros de tecido/mês, uma meta que Jorge do Amaral espera concretizar já no próximo ano, duplicando o número de trabalhadores, dos atuais 250 para 500 trabalhadores, e passando a funcionar 24 horas por dia, divididas em três turnos.
O objetivo é chegar aos 10 milhões de metros de tecido produzidos em 2023, sublinha, durante uma visita à fábrica da Textang II, no Cazenga, em Luanda.
A prioridade máxima é autossuficiência do mercado interno.
“Talvez em quatro ou cinco anos possamos pensar num perfil exportador, mas o foco hoje é o mercado interno”, sublinha.
A não ser que surjam “oportunidades inesperadas”, acrescentou, notando que a subida dos custos da energia vai ter um “impacto brutal” na indústria têxtil portuguesa.
Por enquanto, a Textang II quer mostrar ao mercado angolano, fortemente dependente de produtos importados, que está em condições de fornecer tecidos “confiáveis e tecnicamente sólidos” para que a indústria de confeções se reative, o que permitiria gerar “milhares de postos de trabalho”.
Em Angola, os tradicionais e coloridos panos africanos, usados sobretudo pelas mulheres, são quase todos importados.
“É o famoso pano do Congo, de má qualidade, que faz uma concorrência diria que desleal. Estamos a criar a ideia do pano de Angola, produzido por angolanos. Substituir o pano do Congo pelo pano de Angola é, claramente, a mãe das nossas batalhas”, sublinha o gestor.
Um trabalho que, acredita, pode levar décadas.
Segundo dados avançados pelo governo, Angola gasta anualmente cerca de 300 milhões de dólares (cerca de 308 milhões de euros) em importação de vestuário, novo e usado, e ocupa o topo da tabela mundial a nível das compras de roupa em segunda mão (“fardo”).
Números que Jorge do Amaral quer contrariar, realçando que outro dos passos essenciais para que esta tarefa tenha êxito é conquistar a autossuficiência em termos de matéria-prima, nomeadamente o algodão, projeto em que a Alcaal está também envolvida, com uma plantação recente na Baixa de Cassange (Malange).
Angola já foi um gigante na produção desta cultura, tendo chegado ao terceiro lugar entre os principais produtores mundiais de algodão em 1973.
Atualmente, o algodão usado pela Textang II “é todo importado”, proveniente de países como a Nigéria e o Senegal, entre outros, mas o cenário pode mudar em breve, à medida que aumenta o cultivo na Baixa de Cassange.
“A ideia é, em três ou quatro anos, chegar aos 15.000 hectares para sermos autossuficientes na produção de algodão”, disse o presidente da Textang II, que considera esta condição essencial para produzir tecidos mais baratos e incentivar a reativação da indústria de confeções.
“Queremos que a Textang II seja um motor para criar milhares de postos de trabalho”, enfatizou.
A Textang II fornece atualmente sobretudo o setor privado, incluindo as principais estilistas do país, mas está a reposicionar-se para ser o principal fornecedor de tecidos para o Estado, nomeadamente para uniformes das forças de defesa e segurança.
Este será “o grande salto” que vai permitir à fábrica alcançar uma faturação de 30 milhões de dólares (30,8 milhões de euros) já no próximo ano, estimou o CEO da Alcaal, adiantando que este ano as vendas devem duplicar o valor de 2021, altura em que a Textang entrou em atividade.
Até agora, a Textang II investiu 9 milhões de dólares (9,24 milhões de euros) no projeto, incluindo a renovação da instalação fabril, que ocupa uma área de 50.000 metros quadrados, e que foi, pela primeira vez, ligada à rede elétrica após a reprivatização.
Ali é possível acompanhar todo o processo têxtil, desde que são recebidos os fardos de algodão, e que se inicia com a fiação, seguindo-se a tecelagem, onde a técnica milenar perdura, adaptada à mecanização, até aos acabamentos finais.
A Alcaal, através da IEP, ganhou o concurso público para a reprivatização da Textang II em 2020, pagando ao Estado uma renda fixa anual por um período de 15 anos, findo o qual poderá exercer a sua opção de compra.
Em junho de 2019, a Procuradoria-Geral da República angolana concluiu que a anterior privatização das três fabricas têxteis de Angola (Txtang II, Africa Têxtil e Satec, atual Comandante Bula) tinha sido irregular, usando empréstimos do Estado angolano, através de uma linha de crédito japonesa, que nunca foram reembolsados.
O custo de reabilitação de cada uma das fábricas ascenderia a 50 milhões de dólares (51,35 milhões de euros), mas o valor final dos três projetos superou dez vezes os montantes inicialmente previstos.
Além disso, segundo divulgou na altura o Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE), a África Têxtil, em Benguela, produziu menos de 10 por cento da sua capacidade, a Textang II não ultrapassou os cinco por cento e a ex-Satec ficou nos 0%, o que levou ao afastamento das sociedades a quem tinham sido entregues.
Depois da conclusão dos processos de reprivatização, a Textang II passou a ser gerida pela Alcaal, enquanto a antiga Satec e a África Têxtil estão sob a alçada da Baobab Cotton (Zimbabué).
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