Confrontado com a detenção de Viktor Medvedchuk, acusado de alta traição na Ucrânia, Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, reduziu a zero a importância do conhecido opositor interno de Volodymir Zelensky, assumidamente pró-russo. “Nunca teve qualquer relação de bastidores com a Rússia. É um político estrangeiro”, declarou, no passado mês de abril. “Quanto a uma troca [de prisioneiros] de que inúmeros atores em Kiev falam com tanta paixão, ardor e prazer, Medvedchuk não é cidadão russo e não tem qualquer relação com a operação militar especial.” Fim de conversa.
Num vídeo partilhado nas redes sociais, o presidente ucraniano tinha mostrado abertura para entregar Medvedchuk em troca de soldados ucranianos capturados pelos russos, nas primeiras semanas da invasão, mas a resposta revelava um desprezo completo pelo homem que a inteligência norte-americana via como o favorito de Moscovo para liderar um governo fantoche na Ucrânia, após a queda de Zelensky – o braço-direito de Putin do outro lado da fronteira.
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Cinco meses depois, nesta quarta-feira, 21 de setembro, Viktor Medvedchuk é o nome mais sonante da lista de 55 prisioneiros que a Ucrânia entregou à Rússia em troca de 215 soldados que fizeram a viagem em sentido contrário, incluindo 188 dos que foram capturados na fábrica de Azovstal, em Mariupol. Soldados esses que a Rússia considerou “neonazis” e para quem a embaixada russa em Londres pediu como pena o enforcamento, por merecerem “uma morte humilhante”. Mais de cem pertencem ao batalhão Azov, que foi durante os primeiros meses de guerra um símbolo da “desnazificação” que a Rússia entendia ser necessária concretizar na Ucrânia.
A maior troca de prisioneiros realizada durante o conflito, sob mediação turca, demonstra que Medvedchuk, 68 anos, é mais do que um mero “político estrangeiro” para o Kremlin, como de resto já se sabia. A ligação a Putin é sobejamente conhecida, inclusive a nível de afinidade pessoal: Putin é padrinho da filha de Medvedchuk e, portanto, os dois são compadres. Ao longo dos últimos anos, passaram várias vezes férias juntos, em Sochi e na Crimeia. A Ucrânia sempre foi tema de conversa.
“Putin pensa que somos uma só nação, mas eu não concordo. Somos duas nações eslavas, com histórias interligadas e religião. Estou sempre a dizer-lhe isto. Não somos uma nação, não se pode dizer isto”, sustentou Medvedchuk, numa entrevista dada em 2018 ao britânico The Independent, numa época em que desempenhava um importante papel de intermediário na troca de prisioneiros com as autoproclamadas repúblicas do Donbas, Lugasnk e Donetsk.
Quando, em fevereiro desta ano, rebentou a guerra a Rússia, o ucraniano, eleito deputado em 2019 pelo partido Plataforma da Oposição – Pela Vida, encontrava-se já em prisão domiciliária, desde maio de 2021, acusado de saquear recursos naturais da Crimeia, anexada pela Rússia à Ucrânia em 2014. Os seus bens foram arrestados, e Putin não deixou de condenar aquilo que apelidou de “purga política”.
Apelidado de “príncipe da escuridão” pelos seus detratores, Medvedchuk conseguiu fugir de casa no dia 28 de fevereiro, poucos dias após o início da invasão, mas foi recapturado em abril. Já durante o conflito, o seu partido foi um dos que acabou suspenso pelo regime de Kiev, precisamente devido a ligações à Rússia.
Sobre a troca de prisioneiros desta semana, Zelensky afirmou: “Não estou triste por ter trocado Medvedchuk por verdadeiros guerreiros. Ele submeteu-se a todos os procedimentos de investigação de acordo com o lei e a Ucrânia tem tudo o que precisa sobre ele para determinar a verdade.”