Não é novidade que o corpo humano gera o seu próprio calor, mas consegue fazê-lo voluntariamente? Num mosteiro isolado no norte da Índia, algures nos longínquos Himalaias, três monges sentam-se numa sala a 4 graus Celsius. Têm o tronco exposto e usam apenas calças. Sem nunca estremecer de frio, são capazes de elevar a sua temperatura corporal uma média de 8 graus Celsius com apenas o poder da sua mente. Contado ninguém acredita, mas estudos já vieram provar a sua veracidade.
As lendas de poderes extraordinários dos mestres da meditação já são ouvidas há muito no mundo ocidental. Numa tentativa de descobrir a verdade sobre o poder da mente humana, Herbert Benson, então cardiologista da Harvard Medical School, partiu, em 1981, em direção ao Tibete para estudar os monges budistas que lá viviam, afastados da sociedade.
Foi em pequenas cabanas de pedra sem aquecimento ou isolamento térmico e a uma altitude que ultrapassava os 1.800 metros que encontrou a comunidade de monges tibetanos. Eram praticantes assíduos de uma antiga forma de yoga conhecida como Tummo que o cardiologista tinha intenções de explorar.
Benson preocupou-se em medir a temperatura corporal de três monges praticantes deste tipo de yoga e os resultados que obteve vieram fundamentar as lendas que corriam o mundo. Num estudo publicado na revista Nature, o então cardiologista relatou que, durante a sua meditação, os monges podiam aumentar a sua temperatura periférica dos dedos das mãos e pés até 8 graus Celsius. A medição foi feita através de termómetros em disco que Benson colocou em várias partes do corpo dos monges.
Embora estudos já tivessem vindo provar que, de facto, uma pessoa era capaz de aquecer as suas próprias extremidades usando biofeedback – técnica capaz de mostrar como o organismo está a reagir num dado momento, permitindo, assim, intervir com técnicas que contrariam esses efeitos -, os aumentos de temperatura foram ligeiros.
A competição das toalhas
As investigações de Benson, interessado em compreender os benefícios do Tummo, continuaram por mais uma década, e foram, a partir de dada altura, acompanhadas pelo realizador Russ Parizeau que registou em vídeo as várias experiências que permitiram desenvolver, mais tarde, o documentário “Meditação Tibetana Avançada: As Investigações de Herbert Benson”.
Nas suas filmagens, Parizeau registou fenómenos que vieram revolucionar o entendimento do funcionamento da própria mente. Num quarto frio, as câmaras gravaram monges sentados em total concentração. Decorria uma competição amigável entre todos cujo o único requisito para vencer era secar o máximo de toalhas. A atividade é, aparentemente, simples, mas, o que de facto surpreendia quem observava era a forma como o faziam.
As toalhas eram previamente molhadas em água fria e colocadas sobre os ombros nus dos participantes. Através da técnica de Tummo, os monges tentavam secar as toalhas recorrendo apenas à sua temperatura corporal. Os resultados eram claros: as tolhas secavam em cerca de uma hora apenas com o calor corporal que emanavam.
Ao rastrear os sinais vitais e a temperatura corporal dos monges durante as suas sessões de meditação, Benson conseguiu verificar a forte ligação estabelecida entre a mente e o metabolismo humano e a forma como o stress pode ser controlado sem o recurso a fármacos.
“Dentro de certos parâmetros, o corpo humano é muito bom a regular a sua própria temperatura. No entanto, quando a temperatura ambiente cai abaixo de um certo ponto crítico, o corpo humano reage diminuindo o fluxo sanguíneo para suas extremidades, a fim de conservar o calor para as funções essenciais do corpo”, explica o documentário de Parizeau. “Levado ao extremo, o corpo está preparado para sacrificar os dedos das mãos e dos pés congelando. Se isso é o que é preciso para se manter vivo. Estes monges Tumjo parecem funcionar segundo um conjunto diferente de regras”.
O metabolismo tem um importante papel no fenómeno presenciado por Benson e Parizeau. O cardiologista preocupou-se em registar a atividade cerebral dos monges durante a meditação. Os resultados foram surpreendentes com indícios de “assimetria acentuada na atividade das ondas alfa e beta entre os hemisférios”. De facto, o que se verificava era que “uma parte do seu cérebro estava em calma meditação enquanto o outro hemisfério mostrava um estado beta mais ativo, um estado de alta estimulação mental”.
Além da atividade cerebral, foi ainda analisado o consumo de oxigénio dos participantes. Durante a meditação, a respiração dos monges encontrava-se a “uma taxa extremamente baixa, de 6 a 7 respirações por minuto”, explica o documentário.
As descobertas permitiram concluir que esta prática se traduzia numa “diminuição no metabolismo de 64% em relação ao repouso”. “Diminuições do metabolismo durante o sono foram observadas numa variação de 10% a 15% e, durante uma meditação simples atingia-se o valor de 17%”. Na época, o estudo foi pioneiro ao registar a diminuição mais acentuada do metabolismo até então.
Confirmações adicionais
Anos mais tarde, Maria Kozhevnikov, neurocientista da Universidade Nacional de Cingapura e do Hospital Geral de Massachusetts, regressou ao Tibete determinada a reavaliar os resultados de Benson, mas focando a sua atenção na temperatura corporal central, em lugar da periférica.
Segundo o próprio estudo, a pesquisa “foi realizada em mosteiros remotos do leste do Tibete com praticantes de meditação experientes em práticas de tummo enquanto a sua temperatura axilar e atividade eletroencefalográfica (método de monitorização eletrofisiológico que é utilizado para registrar a atividade elétrica do cérebro) eram medidas”.
As suas conclusões foram semelhantes e os dados recolhidos confirmavam que a meditação “é usada para aumentar o calor corporal” e não apenas nas zonas periféricas do corpo, mas também na temperatura corporal central, que, num dos participantes, terá tido um aumento de cerca de 2 graus Celsius resultando numa temperatura de 38 graus Celsius, já considerada febre.
No estudo publicado em 2013 na revista Plos One, Kozhevnikov explica ainda que os aumentos da temperatura periférica podem estar também associados a “mudanças nas posições do mudra das mãos (gestos simbólicos usados na meditação)” que envolvem um aumento do fluxo sanguíneo nessas zonas.
Também um estudo publicado em 2000 veio corroborar as descobertas de Benson e contribuir para o conjunto de pesquisas já existente que procura explorar as diversas potencialidades da mente e da prática da meditação, das quais a pesquisa de Kozhevnikov faz também parte.
Efeito placebo?
A meditação e respetivos benefícios já foram associados ao efeito placebo e vários estudos foram desenvolvidos numa tentativa de perceber se seriam fenómenos semelhantes.
“O efeito placebo é mais do que pensamento positivo – acreditar que um tratamento ou procedimento funcionará. Trata-se de criar uma conexão mais forte entre o cérebro e o corpo e como eles trabalham juntos”, explica, em resposta à Harvard Health Publishing, o professor Ted Kaptchuk, do Beth Israel Deaconess Medical Center, cuja pesquisa se concentra no efeito placebo.
De facto, este fenómeno pode levar uma pessoa a que acreditar que um dado tratamento falso está a fazer efeito, apenas por existir essa expectativa e a mente acreditar que o fará. Tal como a meditação, o efeito placebo é também uma prova do poder que a mente pode exercer sobre o corpo, conseguindo, inclusive, reduzir a dor física.
Herbert Benson também se dedicou a estudar este efeito e, em resposta à PBS (1998), o cardiologista referiu: “Os pensamentos podem ter um poder enorme. Podes realmente ser perseguido por alguém ou sonhar que estás a ser perseguido, e a reação será a mesma porque é uma realidade no cérebro. Podíamos tirar proveito disso e, acreditando adequadamente no que pode curar, podemos lembrar-nos desses padrões no nosso cérebro e ativar esse bem-estar “lembrado””.
Vários estudos já vieram comprovar a existência do efeito placebo, mas os processos cerebrais presentes nesse fenómeno e na meditação podem não ser os mesmos. Num estudo publicado em 2015 no Journal of Neuroscience, investigadores da Wake Forest Baptist Medical Center procuraram perceber se a “meditação mindfulness é apenas um efeito placebo” ou não.
“Setenta e cinco participantes saudáveis e sem dor foram aleatoriamente designados para um dos quatro grupos: meditação mindfulness, meditação placebo (meditação simulada), creme analgésico placebo (vaselina) ou controlo”. Os resultados mostraram que os participantes que praticaram a meditação mindfulness relataram uma experiência mais positiva e relaxante do que aqueles que integraram a meditação placebo. As análises às atividades cerebrais registaram ainda padrões muito diferentes de atividade entre as duas meditações (mindfulness e placebo).
Apesar dos resultados apresentados, o estudo foca apenas um tipo de meditação, pelo que são desconhecidos os resultados que teria a mesma experiência nos restantes tipos de meditação.