O relatório chama-se “o vírus da desigualdade”, foi lançado pela Oxfam, confederação internacional que reúne organizações e parceiros para ajudar mais de 90 países em busca de soluções para a pobreza, injustiça e desigualdade, no momento em que os mais poderosos do planeta se reúnem no Fórum Mundial de Davos – este ano em modo virtual – e é suficientemente claro: a quantia acumulada pelas maiores fortunas do planeta, e contabilizando apenas desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o início da pandemia, em meados de março do ano passado, dava para comprar vacinas para todos e evitava a crescente desigualdade entre países ricos e pobres no acesso a cuidados de saúde.
Segundo as contas que fizeram, em dezembro de 2020, os 2 153 multimilionários do mundo têm mais dinheiro juntos do que 4,6 mil milhões de pessoas – cerca de 60% da população mundial. Daí que, para os responsáveis da Oxfam não há volta a dar: os governos deviam considerar impostos maiores sobre os super-ricos – e com isso pagar os custos do combate à Covid-19. E só no grupo dos 10 mais ricos, onde estão o fundador da Amazon, Jeff Bezos, o fundador da Tesla, Elon Musk, e o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, a fortuna cresceu, em conjunto, 445 mil milhões de euros. Isto tudo só durante “a pior recessão económica de um século”, sublinha a organização. Aliás, o relatório diz mesmo que a fortuna de Bezos cresceu tanto entre março e setembro de 2020, que ele podia ter dado a cada um dos seus 876 mil empregados um bónus de 80 mil euros e, ainda assim, continuaria tão rico como antes da Covid-19.
“Quase 40 milhões de doses foram administradas em pelo menos 49 países mais desenvolvidos, em comparação com as 25 doses administradas em apenas um dos países mais pobres. Não 25 milhões, não 25 mil, apenas 25”, frisa o chefe da OMS
“Pensamos que estes dados são mais do que suficientes para nos levar a fazer algo mais radical em relação aos impostos sobre a riqueza, de forma a aumentar a respostas às necessidades básicas de cada cidadão”, salientou já Danny Sriskandarajah, o chefe executivo da Oxfam à BBC.
Isto tudo apesar de se saber que houve contribuições generosas dos mais ricos para o combate à pandemia – de Mackenzie Scott, ex-mulher de Bezos, que doou mais de 3 mil milhões de dólares a bancos alimentares e fundos de ajuda de emergência, ao próprio Bezos, que também fez saber que tinha doado 125 milhões para o combate à Covid-19 no início do verão, passando pelo cofundador do Twitter, Jack Dorsey, que em abril anunciou estar a transferir um quarto do seu património líquido para a emergência médica mundial ou pela Fundação Bill e Melinda Gates, que garante ter afetado 1,44 mil milhões de euros para desenvolver testes e vacinas.
Masa nada impediu o que o chefe da OMS, Tedros Ghebreyesus Adhanom, já considerou “um fracasso moral catastrófico”, cujo preço será pago com vidas, nos países mais pobres – a propósito do processo pouco transparente de acumulação de pedidos de países ricos (como é o caso já conhecido de Israel) deficits de financiamento e desafios logísticos como as cadeias de frio, que estão a atrasar o processo de distribuição das vacinas pelos mais pobres do planeta. Também neste caso, os números são elucidativos: “Quase 40 milhões de doses foram administradas em pelo menos 49 países mais desenvolvidos, em comparação com as 25 doses administradas em apenas um dos países mais pobres. Não 25 milhões, não 25 mil, apenas 25”, disse Adhanom.
As razões para tanta indignação também se traduzem em outros números cheios de zeros: enquanto o mundo desenvolvido avança para por fim à pandemia antes do verão – ou pelo menos, alimenta essa esperança – a estimativa para os países mais pobres não é tão animadora: recuperar da Covid-19 e dos seus efeitos pode demorar mais de uma década, insiste a Oxfam, depois de estimar que há entre 200 milhões a 500 milhões de pessoas em todo o mundo a viver na pobreza.