“Naturalmente que nós estaremos aí para cumprir o nosso papel institucional, que é de mediação. Que é o que nós podemos fazer enquanto entidade com responsabilidades em matéria de trabalho”, afirmou a ministra Janine Lélis, questionada pelos jornalistas, à margem de evento na Praia, sobre a situação da empresa Frescomar, a maior exportadora de Cabo Verde.
“Ao nível da Direção Geral do Trabalho ou das delegações nós não temos informação oficial nem confirmada desses despedimentos”, acrescentou a governante.
A falta de uma decisão da União Europeia ao novo pedido do Governo cabo-verdiano para derrogação temporária das normas de origem, permitindo exportar conservas para a Europa, ameaça a sobrevivência do maior exportador do arquipélago.
“Sem um acordo de derrogação rapidamente, a situação é terrível. A empresa Frescomar pretende reduzir 600 trabalhadores até esta semana. Sem esse acordo para viabilizar as exportações para o único cliente, a Mercadona, em Espanha, tem de reduzir consideravelmente a atividade”, afirmou hoje à Lusa o porta-voz do Sindicato da Indústria do Comércio e Serviços (SICS), Virtolino Castro.
Sem garantia de poder exportar conservas de atum, cavala e melva para a Europa, por ainda não ter sido aprovada nova derrogação temporária das normas de origem – no âmbito do Sistema de Preferências Generalizadas (SPG), que proporciona a redução tarifária em vários produtos importados pelos países da União Europeia -, a empresa Frescomar, a maior exportadora cabo-verdiana, liderada por um grupo espanhol, já despediu 104 operários desde 14 de janeiro.
A este número, explica Virtolino Castro, somar-se-ão 380 ainda esta semana, podendo chegar ainda a 484, segundo informação comunicada pela administração da fábrica, localizada na ilha de São Vicente e que empregava no final de 2020 cerca de 1.700 trabalhadores.
Em causa está a necessidade de a União Europeia, tal como acontece praticamente anualmente desde 2008, autorizar o pedido de derrogação temporária das regras de origem preferencial apresentado por Cabo Verde, que por sua vez o justifica com a reduzida frota nacional de pesca para operar fora das suas águas territoriais na pesca de atum, cavala e melva, para posterior transformação em conservas.
“A previsão global é de despedirem 600 operários. A maior parte desses trabalhadores são mulheres, muitas são chefes de casa. Se multiplicar por quatro, por família, está a ver a situação”, lamenta o sindicalista, recordando que sem exportação, com o único cliente em Espanha a virar-se para a concorrência, as conservas da Frescomar têm apenas o mercado interno, que é “irrisório”.
Essa reduzida capacidade de pesca, como admitiu na segunda-feira o ministro da Economia Marítima, Paulo Veiga, em conferência de imprensa, em São Vicente, obriga a indústria transformadora de Cabo Verde a importar parte da matéria prima destas conservas, atum, cavala e melva. A derrogação até agora concedida pela União Europeia permitia considerar as conservas produzidas nas fábricas cabo-verdianas, mesmo que com parte de pescado importado, como sendo originárias de Cabo Verde, dentro de limites de quantidade.
O último acordo de derrogação temporária das normas de origem aprovado pela União Europeia, válido por um ano, iniciou-se em 01 de janeiro de 2019 e autorizava a exportação, como produto originário de Cabo Verde, de até 5.000 toneladas de conservas de atum branco, atum-patudo, atum-albacora e gaiado. O último acordo de derrogação para exportação de conservas de cavala e melva, de 3.375 toneladas, terminou em 31 de dezembro de 2020.
“Desde 2008, as quantidades totais anuais objeto da derrogação concedida a Cabo Verde contribuíram, em grande medida, para a melhoria da situação no setor de transformação da pesca de Cabo Verde. Essas quantidades também contribuíram, em certa medida, para a revitalização da frota de pequenos navios de pesca de Cabo Verde, que assume uma importância vital para o país”, reconhece a União Europeia, na última derrogação concedida ao arquipélago.
Segundo Paulo Veiga, em março de 2020 o Governo cabo-verdiano apresentou novo pedido de derrogação à União Europeia, que em maio levantou algumas questões, respondidas por Cabo Verde com informações complementares em julho.
“E desde então estamos a aguardar que a União Europeia nos aprove ou não a derrogação. Isto não é algo que depende de nós”, explicou o ministro. Contudo, nas sucessivas derrogações aprovadas em mais de 10 anos, a União Europeia tem instado as autoridades cabo-verdianas a criarem capacidade nacional de pesca, o que ainda não aconteceu.
Para o governante, a responsabilidade dos sucessivos pedidos de derrogação resulta de “políticas erradas” do Governo anterior, do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, de 2001 a 2016), como a desativação da empresa que tinha a missão de transformar a pesca artesanal em industrial, a proibição de importação de embarcações com mais de 10 anos ou dificuldades à operação de embarcações estrangeiras em águas nacionais com bandeira de Cabo Verde.
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