“Um advogado não pode ser militante numa causa e apoiar ações, ou sugerir que pode apoiar as ações do seu cliente, porque isso não lhe dá a distância necessária para poder defendê-lo.” Apesar de esta frase poder definir toda a carreira de Juan Branco, que se tornou conhecido pela defesa de Julian Assange no caso Wikileaks, com esta decisão da Ordem dos Advogados em Paris o jovem luso-hispano-francês fica afastado da defesa do ativista russo Piotr Pavlenski, e da sua namorada, Alexandra de Taddeo, responsáveis pela revelação de vídeos com conteúdos sexuais envolvendo o ex-ministro Benjamin Griveaux.
O escândalo rebentou, ironicamente, no Dia dos Namorados, e Griveaux, que tinha deixado o governo para ser o candidato à Câmara de Paris pelo partido de Macron, La République en Marche, abandonou de imediato a corrida eleitoral, forçando o partido a encontrar um novo rosto para (tentar) disputar a câmara da capital, a um mês das eleições.
Mas o assunto está longe de ficar encerrado. Desde o passado fim de semana, todos os dias surgem novos dados sobre o escândalo que está a abalar as fundações do próprio partido socialista, e no epicentro do caso surge sempre Juan Branco, o que tem levado jornalistas de todo o mundo a perguntar: quem é, afinal, este “miúdo”?
Filho do produtor de cinema Paulo Branco e da psicanalista espanhola Dolores López, Juan Branco nasceu há 30 anos na Andaluzia mas cresceu nas ruas dos seletos 5º e 6º bairros parisienses e estudou entre as elites europeias na École Alsacienne, antes de se formar em Direito na Sorbonne e em Yale e de se doutorar no Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).
Em criança, era normal ter figuras como Catherine Deneuve ou Raoul Ruiz à mesa do jantar, o que o influenciou positivamente, considera. “Quando estás ao pé de pessoas assim, percebes que tens de ter algo a dizer antes de abrir a boca”, comentou numa entrevista ao L’Express.
O pai é, na sua definição, “uma figura um tanto avassaladora”, como explicou ao jornal Ouest-France. “Talvez seja por isso que quis fazer tantas coisas em tão pouco tempo. Tinha que mostrar que valia alguma coisa também.”
“Tantas coisas” resume bem o seu currículo, que inclui trabalho no Tribunal Penal Internacional, a defesa de Julian Assange e a representação de inúmeros casos relacionados com a Wikileaks, a representação dos líderes do movimento “coletes amarelos”, a defesa internacional da liberdade de acesso à internet e ter desde os 26 anos um escritório em Paris que se designa “Branco & Associados” – sendo que um dos “associados” é o juiz espanhol Baltazar Gárzon.
Crítico da arrogância intelectual demonstrada pelo presidente francês e outros políticos na sua entourage, Juan Branco entrou também no mundo da política em 2019, concorrendo às legislativas pelo partido de extrema-esquerda “França Insubmissa”. Como explicou no ano passado, a propósito do lançamento do seu livro Crépuscule, entendeu ser necessário “aparecer alguém oriundo de um meio igual ao de Macron, que tenha pelo menos feito os mesmos estudos, que tenha os mesmos títulos de glória, e que lhe atirasse à cara esta violência, esta violência simbólica que consiste em olhar de alto os cidadãos, julgando-se superior a eles por causa dos estudos que realizou”.
A sua militância contra as “elites” económicas e políticas que gerem o país, que classifica como uma espécie de nova aristocracia francesa, iniciou-se nos primeiros anos de faculdade, mas ganhou notoriedade pública em 2017, com a publicação do livro Contre Macron, onde defendia que “o Macronismo é uma nova variante do fascismo” e que chegara o momento do povo se preparar para forçar a retirada do poder de “fantoches” como ele, ao serviço dos grandes interesses económicos. O advogado voltou ao tema em 2019, com Crépuscule, uma espécie de manifesto que já vendeu 150 mil exemplares e que os seus editores descrevem como “uma denúncia que expõe a captura da Democracia por poderosos oligarcas em favor de interesses de casta”.
O ministro Benjamin Griveaux não é o primeiro alvo de Juan Branco no governo de Macron. Gabriel Attal, um dos secretários de Estado mais jovens do governo socialista, estudou com Juan Branco na École Alsacienne e, no dia em que foi nomeado, o antigo companheiro de escola brindou-o com um tweet corrosivo, revelando a sua homossexualidade e o relacionamento que manteria com um conselheiro do Eliseu, acusando-o de “subir na horizontal”.
Terão sido todas estas ações que levaram o russo Piotr Pavlenski a procurar Juan Branco, em novembro do ano passado, para obter aconselhamento sobre a divulgação dos vídeos exibicionistas que o ministro Griveaux tinha enviado à sua namorada.
Pavlenski obteve asilo político em França depois de várias ações de contestação ao governo de Putin (a mais mediática terá sido aquela em que pregou os seus testículos ao chão da Praça Vermelha), mas hoje considera que Macron não é de uma “casta” muito diferente e, segundo Juan Branco, quereria denunciar a hipocrisia de membros do seu governo, como Griveaux, que defendem publicamente visões conservadoras dos valores da pátria e da família e depois, nos bastidores, não têm qualquer ética.
Piotr Pavlenski e Alexandra de Taddeo estiveram detidos durante três dias, tendo sido libertados com termo de identidade e residência na terça-feira. Juan Branco protestou pelo facto e o tribunal de Paris não o deixar visitar os seus clientes, alegando “demasiada proximidade” entre os três.
Branco ainda não foi indiciado formalmente de envolvimento na divulgação dos vídeos, mas sendo agora impedido de ser o defensor do casal, poderá enfrentar também acusações criminais. A revelação de imagens privadas com conteúdo sexual, sem consentimento, e/ou com fins de vingança ou chantagem, é punida em França com dois anos de prisão.
À RTP, que o entrevistou em Paris, Juan Branco recusou responsabilidades pela divulgação dos vídeos de cariz sexual. ” [Pavlenski] já tinha decidido publicar os vídeos, fosse qual fosse o meu conselho. Foi um ato político. Ele veio a até mim consciente do ato político que ia ser feito. Sabia que não ia recusar-me a defendê-lo.”