Assim que Moçambique entrou em fase de emergência, após a passagem do ciclone Idai, em março do ano passado, a Cáritas Portuguesa disponibilizou 83 mil euros da sua linha de emergência internacional para apoiar, através da Cáritas Moçambicana, as ações mais prementes no terreno – a ONG funciona em rede, pelo que são usados os recursos humanos já no terreno para usar da melhor forma todas as verbas conseguidas.
Algum tempo depois, contribuiu com mais 450 mil euros, doados por portugueses para apoiar as vítimas dos ciclones – o Kenneth tinha, entretanto, devastado, ainda que em menor escala, o norte do país.
“E agora vamos contabilizar o angariado na campanha ’10 milhões de estrelas’”, referiu à VISÃO Isabel Quintão, responsável deste projeto na Cáritas Portuguesa. Recorde-se que a campanha, que geralmente acontece na altura do Natal, este ano reverteu em parte para as vítimas do Idai – uma vela em forma de estrela foi posta à venda pelo valor de 2 euros. Das receitas que foram angariadas, 35% serão aplicadas nos projetos que estão a ser desenvolvidos junto das populações afetadas pelo ciclone e os restantes 65% serão para responder aos mais pobres em Portugal.
A conversa com Isabel Quintão aconteceu um dia depois de a Cáritas ter garantido, num projeto conjunto com a Oikos, entidade que lidera o consórcio, mais um financiamento para continuar o trabalho de apoio à recuperação do setor agrícola como forma de contribuir para a segurança das populações mais afetadas pelos ciclones. Através de um concurso lançado pelo Instituto Camões, vai assim ser possível ter acesso a mais de 400 mil euros que são “uma grande ajuda para o trabalho que a Cáritas Moçambicana já está a fazer no terreno. É um financiamento muito importante para ambas as Cáritas [em Portugal e Moçambique], porque temos a hipótese de ter uma parceria com organizações que já lá trabalham e que têm muita experiência no terreno”, continuou.
A Cáritas Moçambicana vai “entrar com uma parte muito técnica no projeto, ajudando nas questões da irrigação, uma vez que temos vários engenheiros agrícolas” integrados na campanha. “Em contraponto, a Oikos vai mostrar-nos outras formas de trabalhar com as comunidades agrícolas, que é uma área onde têm muita experiência”.
“Acreditamos que o futuro das ONG tem que passar por mais consórcios, para melhor servir, mesmo”, afirmou ainda Isabel. “Mesmo a experiência que vamos ouvindo das agências internacionais vai neste sentido: esta forma a forma de funcionamento em cluster, que é muito usada no terreno quando se está na fase de emergência, já nos predispõe para funcionar assim depois, em outras fases. E devemos fomentar isso”.
Restaurar a esperança
Curiosamente – ou não – todos os projetos escolhidos para receber financiamento por parte do Camões I.P. foram apresentados por consórcios de ONG com diferentes valências.
Isabel Quintão aproveitou ainda para reafirmar salientar a importância deste reforço de verba que permitirá acrescentar celeridade aos projetos que já estão em marcha no terreno. “É muito importante o acréscimo de valor, porque nos permite acelerar os processos de ajuda e garantir que as famílias vão receber ajuda mais rapidamente”. Caso contrário, o projeto seria para continuar para iria exigir mais campanhas para apelar à generosidade das pessoas. E quando passou praticamente um ano desde que o Idai assolou Moçambique, torna-se mais difícil apelar à memória das pessoas.
Por isso mesmo, em outubro do ano passado a organização decidiu lançar um pequeno documentário intitulado “Recuperar vidas, restaurar a esperança”, porque se aperceberam de que “esta fase da reconstrução vai ser muito, muito longa, e as pessoas estão a esquecer Moçambique”. Nas palavras de Isabel, “é preciso, queremos voltar a redirecionar as pessoas para Moçambique”.
Tal como a VISÃO tem dado conta ao longo dos últimos meses, as carências da população afetada pelos ciclones não têm dados sinais de abrandamento: as sementeiras que não dão fruto, as casas que não se conseguem reconstruir, o afastamento das comunidades do mar, para muitos o seu sustento ou que lhe garantia algum alimento têm sido alguns dos obstáculos que com o passar do tempo agravam as condições de vida da população.
Reavivar a memória
Também o facto de as organizações humanitárias estarem a terminar o chamado ‘período de emergência’, que as fez ficar no terreno até agora, está a preocupar. Numa altura em que ainda há quase 90 mil pessoas a viver em campos de reassentamento, é preciso acelerar a construção e reconstrução de habitações.
A Cáritas tem estado a dar algum apoio também nesta recuperação de infraestruturas, que vão das habitações a centros de provisionamento de alimentos e sementes, para que em caso de eventual desastre natural, haja alguma garantia de que não se perdem todas as provisões.
“Estamos a apoiar a questão da habitação, ajudando em alguns casos na reconstrução ou construção de casas”, sobretudo em zonas que estão agora a ser ocupadas por serem consideradas mais seguras, e onde ainda falta tudo. Estas novas habitações, esclarece ainda Isabel, “obedecem a uma planta que foi aprovada pelo governo moçambicano”, e que se tenta que não sejam tao frágeis quanto é usual nas regiões rurais.
Esperar que as chuvas passem
“O período das chuvas tem dificultado muito o avanço rápido desta construção de casas. De todos os itens que estavam contemplados no emergency appeal, este talvez seja o ponto que não esta tão avançado quanto se gostaria. Em algumas situações as casas destas comunidades já sofreram melhoramentos e estamos a tentar construir estruturas um bocadinho mais sólidas”, esclarece Isabel.
“Estamos também a trabalhar na área da água e do saneamento. Houve abertura de vários pontos de água e há sistemas de filtragem que foram colocados para as comunidades poderem aceder a água potável – estes pontos estão a ser geridos pelas comunidades locais, havendo sempre um líder que está responsável. Esta parte está bastante avançada e as comunidades têm já bastante acesso”.
Agradecer para continuar
Desta forma, a responsável da Cáritas Portuguesa aproveita para explicitar os projetos onde está a ser aplicado o dinheiro que tem sido recolhido graças à generosidade dos doadores, lembrando que nestas campanhas a organização não recolhe bens por várias razões: não apenas porque muitas vezes é muito oneroso transportar e fazer entrar esses bens no território que está em necessidade – como acontece no caso de Moçambique – mas também porque, por exemplo, em termos alimentares é preciso “compreender que os hábitos das pessoas em Moçambique não têm nada a ver com os nossos”, o que significa que o risco de se desperdiçarem enlatados ou outros produtos é elevado.
“Gostávamos mesmo que as pessoas percebessem que em casos como este, o melhor não é inundar uma economia fragilizada com bens”, que podem não ser da utilidade que merecem, continua. No entanto, aproveita para aplaudir a generosidade dos donativos que desde o primeiro momento chegara à Cáritas para este projeto em particular.
A Cáritas Moçambicana – através da qual a Cáritas Portuguesa presta apoio em Moçambique – trabalha atualmente em quatro grandes dioceses: Beira, Quelimane, Chimoio e Pemba, zonas que foram todas afetadas pelo Idai e pelo Kenneth e que continuarão a contar com a presença e trabalho desta ONG.