Os dados são do Programa Alimentar Mundial (PAM) Moçambique e os números podem assustar: são 1,9 milhões pessoas em risco de insegurança alimentar durante os próximos meses e, pelo menos, até março de 2020 quando se espera que as sementeiras deem finalmente fruto. Os ciclones Idai, que atingiu o centro do país, e Kenneth, que atingiu o norte um mês depois, provocaram uma quebra de 16% nas colheitas deste ano, e deixaram em risco milhões de pessoas.
Num país onde a malnutrição e a escassez alimentar são uma realidade para grande parte da população, as alterações climáticas têm vindo a agravar o problema. Os ciclones e as cheias consequentes, sobretudo na região da Beira, resultaram em milhares de desalojados e em dificuldades ainda maiores para as famílias que, para além das casas, perderam o sustento. No centro do país, 80% dos lares subsistiam através da agricultura. As várias tentativas de sementeiras que foram feitas desde os ciclones – com o apoio de organizações internacionais que forneceram sementes e alfaias agrícolas – acabaram por não resultar devido ao estado dos solos.
Agora, a esperança está nas colheitas de março de 2020. Até lá, explica o PAM num relatório consultado pela VISÃO, só esta organização planeia “prestar assistência a um milhão de pessoas” entre novembro e março do próximo ano. O PAM já assistiu 2,3 milhões de pessoas entre março e agosto deste ano, nas províncias de Sofala, Manica, Zambézia, Tete, Cabo Delgado e Nampula. No entanto, vai ser difícil sair do terreno tão cedo, tendo em conta as dificuldades das populações.
“Tendo em conta as perdas consideráveis de colheitas e os danos para a subsistência agrícola, espera-se que uma quantidade substancial de agregados familiares continue a estar dependente de ajuda alimentar” até à primavera do próximo ano, lê-se no mesmo documento.
No mesmo sentido, o PAM revela que já está a implementar o “Programa de Emergência de Alimentação Escolar” nos distritos que foram afetados pelo ciclone Idai (Buzi, Nhamatanda, Chemba, Chibabava) e que beneficiará 31 mil crianças: a ideia é dar-lhes comida que podem levar para casa, o que as deverá motivar a regressar no dia seguinte. Este projeto deverá terminar em abril do próximo ano.
Até agora já foram alocados, por parte do PAM, à missão em Moçambique cerca de 160 milhões de dólares. Para a próxima fase do projeto – a tal que irá até março de 2020 –, o PAM estima que sejam precisos 72 milhões de dólares.
Recorde-se que os habitantes da região da Beira, sobretudo, estão particularmente preocupados com o facto de as organizações internacionais estarem a preparar-se para abandonar o país – quase todas elas deverão sair de Moçambique até ao final do ano ou, no limite, até à Primavera de 2020. Em alguns casos – como a VISÃO já noticiou – a saída prende-se com questões de financiamento, e noutros com o final de projetos que tiveram a duração de um ano, tempo durante o qual devia ter sido possível capacitar as famílias com condições para fazerem face ao futuro.
Apesar dos esforços, milhares de famílias continuam ainda a viver em campos de reassentamento e a ter falta de acesso a água potável, a alimentação e a habitação que possa sobreviver a condições climáticas mais severas.
Na Beira, o facto de a região ser considerada um bastião da Renamo também não ajuda à atuação do Governo – que não prioriza ou acelera as obras, revelam fontes ouvidas pela VISÃO. Já em Cabo Delgado, a onda de violência que já entrou no terceiro ano consecutivo tem dificultado a vida das populações e também das organizações humanitárias que as tentam socorrer.