Na sexta-feira, a chuva e as tensões provocadas pelas palavras do líder do Hezbollah terão afastado parte dos manifestantes das ruas. No entanto, este sábado já eram milhares os manifestantes que voltaram a gritar palavras de ordem em várias cidades libanesas. Em Beirute, concentrações em frente à mesquita e ao Parlamento continuavam em clima pacífico, confirmou à VISÃO Rui Fernandes, sacerdote jesuíta que está a viver no Líbano desde o ano passado. Os gritos de revolta contra o governo continuam a marcar os protestos, com a mensagem “o povo quer que o governo caia” a ser repetida até à exaustão. “Percebe-se que há uma tentativa de ‘limitar’ as manifestações para ver se acabam depressa: estradas que tinham sido barradas voltaram a estar abertas; praças inteiras que até agora estiveram ocupadas foram obrigadas a abrir corredores para garantir a passagem de automóveis…”, conta ainda Rui Fernandes, salientando que apesar de tudo o ambiente é bastante pacífico na capital.
Em Tripoli, o exército lançou algumas rajadas de tiros para o ar, utilizou hás lacrimogéneo e balas de borracha para afastar os manifestantes que queriam barrar as estradas da cidade. Segundo informação divulgada pela Cruz Vermelha, a intervenção terá provocado três feridos ligeiros. O exército libanês emitiu entretanto um comunicado referindo que se “viu obrigado a intervir” sobretudo depois de alguns manifestantes terem atirado pedras aos militares. Estes foram os primeiros atos mais violentos de manifestações que já contam com dez dias, e que se teme não terem um fim breve à vista.
Na resposta, os manifestantes querem fazer este domingo, 27 de outubro, um cordão humano que ligará as principais cidades do país e que o unirá de ponta a ponta, numa espécie de manifesto que dá seguimento ao que se tem ouvido nas ruas: “O Líbano é de e para todos”. Tenta-se, curiosamente, não partidarizar os protestos num país em que o Presidente tem de ser cristão maronita, o primeiro-ministro sunita e o presidente do parlamento xiita, tal como consta do pacto nacional que foi assinado em 1943.
Estes protestos espontâneos, em massa, que acontecem pelo décimo dia consecutivo são as maiores manifestações do Líbano em cinco anos, e estenderam-se além de Beirute. Os manifestantes quiseram demonstrar a “raiva crescente contra uma classe dominante que dividiu o poder entre si e acumulou riquezas durante décadas, mas pouco fez para regenerar uma economia em ruínas e deixou as infraestruturas degradadas”, referia um manifestante eme declarações à Al Jazeera no início da semana.
Chile em chamas
Enquanto isso, do outro lado do mundo, o presidente chileno tenta acalmar os milhares de protestantes que enchem as ruas de Santiago provocando a demissão do Governo. “Pedi a todos os ministros para apresentarem a demissão para poder formar um novo governo e poder responder às vossas exigências”, declarou o Chefe de Estado numa mensagem ao país este sábado. Piñera anunciou também que tenciona levantar o estado de emergência neste domingo “se as circunstâncias o permitirem”, tentando contribuir “para uma normalização que tantos chilenos querem e merecem”.
Há uma semana que o Chile está a ferro e fogo, com manifestações um pouco mais violentas do que as sentidas no Líbano (já houve 19 mortos e vários feridos), mas que foram espoletadas praticamente pelo mesmo motivo: na economia da América do Sul, o anúncio do aumento do preço do bilhete do metro; no Líbano o anúncio da criação de uma taxa sobre a utilização da aplicação whatsapp.
Especialistas ouvidos pelo New York Times durante esta semana davam conta de que o elo de ligação entre as manifestações que se têm sentido um pouco por todo o mundo (junte-se Hong Kong também a esta lista) poderão ser as novas gerações: “São jovens que já estão fartos”; referia Ali H. Soufan, do The Soufan Group, uma consultora na área da Defesa. “Esta nova geração já não aceita o que vê como uma ordem política e económica corrupta que está a tomar conta dos seus países. Querem mudanças” porque as democracias onde vivem são uma desilusão para eles.
Isso explicará o facto de o Chile, uma das mais estáveis e seguras democracias na América do Sul estar agora a braços com manifestações que só encontram semelhanças nas protagonizadas na época da ditadura de Augusto Pinochet. Mais do que contestar o aumento dos preços dos transportes, os chilenos exigem a redução das desigualdades, um sistema que garanta salários dignos e educação de mais qualidade, em protestos que parecem pouco organizados, segundo relatos da imprensa internacional.
As críticas são, genericamente, a um sistema económico neoliberal que apesar dos bons indicadores macroeconómicos parece esconder um elevado nível de descontentamento social. Recorde-se que no Chile tanto o acesso à saúde como à educação é praticamente privado e que a desigualdade social é elevada.