“O futuro pertence aos patriotas e não aos globalistas”, atira Donald Trump, o presidente americano no seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, e nem imagina o que o espera. Mais ou menos por essa hora, os democratas do Congresso – a oposição – anunciam formalmente que vão avançar com um inquérito cujo objetivo final é destituí-lo do cargo. A cara desse processo é Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes (câmara baixa do Parlamento), e o anúncio faz de Trump o quarto presidente da história dos EUA a enfrentar uma investigação deste género. Só que nenhum dos processos anteriores resultou, diretamente, no afastamento do presidente.
O que foi anunciado e porquê?
Depois de meses de pressão, Pelosi finalmente apareceu na terça-feira, depois do encontro entre mais de 30 democratas da Câmara, para fazer o tão esperado anúncio. Esta terça-feira, depois de se saber que, em julho e em conversas telefónicas com o presidente da Ucrânia, Trump fez pressão para que investigassem o ex vice-presidente Joe Biden, seu potencial adversário em 2020. Segundo os democratas, Trump atrasou a ajuda militar para assim pressionar a Ucrânia a obter informações sobre Biden. Trump, claro, nega irregularidades.
Como o funciona o processo?
Segundo Pelosi, os seis comités do Congresso que atualmente investigam as possíveis infrações de Trump continuarão a fazê-lo. Será depois com base nisso que uma nova comissão poderá redigir e aprovar o pedido de destituição de Trump, que teria ainda assim de ser votado no plenário da Câmara. Se for aprovado, haverá finalmente um julgamento do caso, que exige uma maioria simples para que a destituição avance. Depois, o caso segue para o Senado, onde é necessária uma maioria de dois terços para haver uma destituição de Trump. Uma possibilidade remota tendo em conta que o Senado é controlado pelos republicanos.
Qual é o próximo passo?
Para já, deverá saber-se mais sobre o caso da Ucrânia – e parece que isso está quase a acontecer. Segundo o comité de inteligência da Câmara, o autor da denúncia já manifestou vontade de testemunhar e poderá fazê-lo já esta quinta-feira, o que significa que será possível saber com detalhe quais as alegações contra Trump. Numa votação unânime – o que é raro – o Senado já aprovou uma resolução a pedir à Casa Branca que entregue um relatório sobre as tais conversas – depois de Trump, no twitter, claro, ter garantido que divulgaria a transcrição integral do seu telefonema com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy.
O que é necessário para que a destituição seja aprovada?
É preciso que, no fim do processo, haja uma maioria de dois terços entre os 100 membros do senado que esteja a favor – e isso, já dissemos, é algo que nunca aconteceu. Além disso, o Supremo Tribunal não pode reverter a decisão.
E, no caso de a destituição ser mesmo aprovada, quem fica a governar os EUA?
No caso de o Senado efetivamente condenar e destituir Donald Trump – algo que continua a ser apontado como muito improvável – será o vice-presidente Mike Pence a assumir as rédeas do país até ao fim do atual mandato presidencial, que termina a 20 de janeiro de 2021.
O que pode efetivamente destituir Trump?
É possível que Trump possa ter de enfrentar um processo destes por uma série de alegadas más condutas, desde lucrar pessoalmente com a presidência, violar as leis de financiamento das campanhas, desviar inadequadamente fundos para construir um muro na fronteira ou até perdoar indultos para induzir a violação da lei. Mas alguns analistas já alertaram o Congresso para este se concentrar num grupo restrito de supostos delitos, para evitar a perceção de uma iniciativa partidária e também para que no futuro não se alargue demasiado o rol de razões que podem levar ao pedido de destituição.
Quais as implicações políticas de um processo destes?
Ninguém sabe. O caso mais recente foi o de Bill Clinton, em 1998, e saiu literalmente pela culatra aos republicanos que viram a popularidade de Clinton aumentar, ao mesmo tempo que sofriam pesadas perdas nas eleições seguintes. E como nada é garantido, é fácil entender as reservas de longa data que Pelosi manifestou já sobre um processo destes – e que a própria já deixara bem claro depois da divulgação do Relatório Mueller, aquele que resultou da investigação sobre uma possível interferência russa nas eleições americanas de 2016, e que fez muita gente apontar o dedo aos democratas, acusando-os de não estarem assim tão focados no seu trabalho e isso acabar por ajudar a reeleição de Trump.
Os números sobre o assunto entretanto divulgados também ajudam a explicar a posição de Pelosi. Afinal, segundo o FiveThirtyEight, o site informativo criado pelo génio das sondagens Nat Silver – que acertava de tal maneira nos resultados das apostas desportivas que rapidamente criou uma empresa de análise política – desde o início de 2017, em média apenas 38,5 por cento do público esteve a favor da destituição, enquanto 55,7 por cento se opuseram.
Quem já foi alvo de um impeachement?
Dois presidentes, Bill Clinton (1998) e Andrew Johnson (1868) passaram pelo processo até ao fim, mas acabaram por ser absolvidos no Senado e permaneceram no cargo. Já no caso de Richard Nixon (1974), a destituição chegou a ser aprovada por um comité do congresso, mas Nixon renunciou antes da questão ser votada, o que significa que tecnicamente não foi impugnado.
E porquê?
Johnson foi acusado em 1868 de violar a lei por ter substituído o secretário de estado da Guerra dos EUA, após a guerra civil, sem consultar a câmara alta do Congresso – e como culminar de uma longa batalha sobre a melhor forma de combater os estados do sul. Já Bill Clinton foi acusado de obstrução à justiça e perjúrio, por supostamente mentir sob juramento a um grande júri federal sobre o seu caso com Monica Lewinsky.
Já Richard Nixon, se não tivesse renunciado, poderia ter sido condenado no Senado por uma de três acusações: obstrução da justiça, abuso de poder e ainda por desafiar as intimações. De qualquer forma, Gerald Ford, que foi vice de Nixon e que lhe sucedeu, perdoou-o mal tomou posse na Casa Branca.
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