O sotaque não o denuncia. O inglês sai-lhe na perfeição. É o nome que desperta a atenção. Com um sorriso aberto, Joaquim Canelas confirma a origem portuguesa. Saiu do País há 40 anos em busca do sonho americano. E encontrou-o. Pelo meio, perdeu-o e voltar a encontrá-lo.
Em Moçambique, coordena as operações de voo do Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas. Estão ser operados três helicópteros, com capacidade para transportarem três toneladas de alimentos. Cada um deles faz dois ou três voos diários. “A nossa missão é chegar às zonas mais longínquas e àquelas que não são acessíveis por terra”, explica, num português praticamente sem mácula.
Duas semanas após o ciclone Idai ter atingido Moçambique, ainda há regiões isoladas a receberem ajuda alimentar pela primeira vez. Desde o início das operações, o PAM conseguiu chegar a mais de 150 mil pessoas em Moçambique, no Maláui e no Zimbabué, os três países atingidos pela catástrofe, mas ainda está longe de atingir o objetivo de meio milhão de pessoas. As Nações Unidas calculam que 1,8 milhões estejam a enfrentar graves carências alimentares.
Aos 62 anos, Joaquim Canelas garante que coordenar os voos é mais interessante do que pilotar. “Há sempre muitas prioridades para definir. E quanto mais complicado, melhor”, ironiza. Com tantas organizações diferentes a ajudarem, a coordenação não está isenta de… descoordenações.
Quando tal acontece, a frustração é grande: “É mais tempo que as pessoas ficam desesperadamente à espera.” O empenho na missão das Nações Unidas quase faz esquecer o voo acidentado que o trouxe até aqui.
A sua companhia de aviação faliu e o empresário viu-se obrigado a procurar uma alternativa. Começou por integrar o departamento de logística que acompanhava o exército norte-americano na Guerra do Iraque (2003-2011).
Depois de experimentar a guerra, Joaquim Canelas resolveu voltar-se para a paz. Trabalha nas Nações Unidas há meia dúzia de anos. Passou os últimos cinco no Sudão do Sul, igualmente envolvido na distribuição de alimentos por via aérea.
A mulher e os quatro filhos vivem em San Antonio, no Texas, a sua cidade adotiva nos Estados Unidos. Só consegue visitá-los uma ou duas vezes por ano, desde que foi deslocado para o Sudão do Sul. Todos compreendem a sua ausência porque “admiram” o seu trabalho. Também visita a família que vive em Portugal, na Amadora, um par de vezes por ano. Por enquanto, prevê ficar na Beira alguns meses.
A experiência não diminui o desafio: “Em África, todos os dias são o primeiro.”
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