Onde antes existia um largo com árvores frondosas, restam ramos retorcidos. As folhas eclipsaram-se com o vento. No meio do capim seco, e dos galhos amontoados na terra, saltam à vista as cores de um jardim-infantil ferrugento, mas resistente. Meia dúzia de rapazes brincam nos baloiços, alheios ao cenário de devastação.
Localizado junto ao bairro das Palmeiras, este simulacro de jardim é uma prova irrisória da destruição visível na cidade da Beira. Ao atravessá-lo, desemboca-se na Avenida das Forças Populares de Libertação de Moçambique, que segue até à Praça da Independência.
A maior parte das vivendas que ladeiam esta avenida marginal parecem decadentes. Faltam telhados, janelas, portões. Em algumas delas, operários afadigam-se a reparar os danos. Mas não é nestas casas de classe média alta que vive quem mais precisa de ajuda.
Basta cruzar a estrada para o lado de lá e saltar os obstáculos de um caminho de areia para dar de caras com o mar pardacento. Alguns adolescentes racham os ramos das árvores caídas no chão. A lenha é-lhes preciosa.
No areal, alguns grupos de adolescentes conversam, enquanto outros dão mergulhos no mar. As escolas já começaram a reabrir, mas muitas permanecem encerradas. E ser criança ou adolescente não é sinónimo de ir à escola. Estima-se que mais de um milhão de crianças moçambicanas, entre os 7 e os 17 anos, trabalhe.
Joaquim Manuel, 61 anos, não veio à praia para aproveitar um dia de gazeta. É operário da construção civil, mas perdeu o emprego ainda antes de a região ser atingida pelo ciclone Idai, no passado dia 15. A vida já estava difícil. Agora ficou pior.
“A minha casa caiu mesmo. Estamos mal mesmo”, lamenta, enquanto escolhe o peixe pescado durante a manhã. Vende-o, mas também pesca para alimentar a família. “Falta muita comida, não há nada que se coma.” Ou nada que Joaquim Manuel consiga comprar. Em alguns locais, o preço do arroz aumentou 50%.
Não sabe como fazer a vida regressar aos eixos porque “não há material nem há dinheiro”. A mulher e os três filhos foram para casa de familiares, no Chimoio, a 200 quilómetros da cidade da Beira.
A escassos metros, um par de pescadores manuseia uma rede de pesca vazia. “Temos de fazer isto para alimentar a família e ter os filhos na escola”, dispara João Magaure, 42 anos. Os seus três filhos já voltaram às aulas, mas aprendem em salas sem telhado.
Na verdade, confessa, “a vida antes também não era fácil”.
Deixando a praia para trás, regressa-se ao burburinho da avenida. Os destroços – e o lixo – acumulam-se nos passeios. Também na marginal há charcos de águas paradas, potencias fontes de transmissão de cólera. As autoridades de saúde temem a escalada da doença. Já foram confirmados 139 casos na Beira.
Bancas de venda de fruta emprestam alguma normalidade ao caminho mas, não muito longe dali, um homem procura o que se possa aproveitar no meio dos detritos – o cheiro putrefato é-lhe indiferente.
Já perto da Praça da Independência, um grupo de mulheres garimpa a areia arrastada pelo mar para a berma da estrada. Esta matéria-prima é fundamental para a reconstrução das casas destruídas pela calamidade. Fazem pequenos montes que, mais tarde, transportam em carros de mão. “Como é proibido tirar areia da praia, tiramos da estrada”, explica Durca Chamusse, 38 anos.
Amélia Félix, dez anos mais velha, conta que a sua casa perdeu o telhado, mas continua a viver lá com os quatro filhos – ficou viúva quando estava grávida do mais novo.
Antes de recuperar a sua habitação, vai vender areia para os outros recuperarem as deles. Só assim conseguirá dinheiro para comprar a chapa necessária para o telhado.
Em volta da rotunda da praça, com uma estátua de Samora Machel, há várias bancas de venda, instaladas entre ramos retorcidos.
Agi Elias, 21 anos, só voltou a montar a banca de venda de sumo de cana quase duas semanas depois do ciclone. O método é (quase) totalmente artesanal. Parte a cana, lava-a num balde de água trazida de um poço de confiança, garante, e passa-a numa prensa. Custa 45 meticais (€0,65).
“Sempre vendi aqui, mas parece que estou noutro sítio”, diz, olhando em volta. “Agora, não há nada”. Nem a paisagem.
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