Maria Teresa Garambela, 42 anos, que vive com uma irmã na cidade da Beira, não tem memória de uma semana tão dramática como esta que passou. E a recordação daquele dia em que o ciclone Idai se abateu sobre ela persegue-a ainda nos piores pesadelos.
“O barulho do vento era tão grande que parecia um avião a sobrevoar as nossas cabeças durante horas infindas”, recorda. “Para nós, era algo nunca imaginável, aqui em Moçambique. Uma coisa de filme.”
Seguiram-se pessoas aos gritos pelas ruas, na manhã seguinte, perante a constatação de uma destruição generalizada. “A desgraça foi que o vento veio para nos tirar o teto e as casas…”
O seu relato confirma o que mostram as fotos das agências. Na rua, os postes estão no chão, muitas casas ficaram sem teto, as montras das lojas estão partidas, espalhando cacos de vidro por todo o lado.
Uma semana depois da catástrofe que se abateu sobre o país, Teresa já voltou ao trabalho. “Agora está tudo mais calmo”, relata, ao telefone, a confessar-se bem mais tranquila, agora que a cidade da Beira, onde vive, está a tentar voltar à rotina – independentemente de ainda estarem às escuras, sem água e sem energia.
“A dimensão da tragédia ainda está por conhecer”
“Isto é um país enorme, mas é impossível não ficar abalado com um drama como este”, conta Raquel Carreto, 42 anos. A professora universitária, a viver em Maputo há quatro anos, mostra-se também emocionada com a quantidade de iniciativas da sociedade civil – “que se tem mobilizado como pode…” – para ajudar as populações afetadas por uma tempestade tal que, desta vez, depois de passar não trouxe bonança – trouxe ainda mais desgraças, com inundações e gente isolada, sem água nem comida.
A descrição de Raquel é apocalítica: as casas não têm telhados, está tudo inundado, falta água e energia, falta comida e até carvão, para cozinhar.
“O que mais nos inquieta é o número de mortos: temos muitas dúvidas sobre o que tem sido relatado”, segue Raquel, a lembrar que quem está na zona afetada ainda não tem comunicações: “Um aluno meu que estava na cidade da Beira só conseguiu sair na terça-feira. Segundo ele, o que mais há na zona em volta são pessoas em telhados e em cima de árvores, à espera de serem salvas.”
A seu lado, está o marido, Nuno Carmo, 44 anos. Ao fim de 12 anos em África – os primeiros oito em Angola e estes últimos quatro em Moçambique, na administração do banco BIC -, o português começa por reconhecer que, de alguma forma, quem vive naquele continente gigante acaba por se ir habituando às inundações e à seca, de forma constante. “Mas isto que aconteceu agora é muito diferente: é uma catástrofe de dimensões tremendas. Ainda ninguém tem verdadeira noção do que aconteceu: no fim, vão ser dezenas, centenas de milhares de mortos…”, receia.
O grande problema, concorda o casal, são as zonas fora das cidades: “Estamos a falar de uma região do tamanho da Península Ibérica, com locais longe de tudo e todos. Há aldeias tão, mas tão remotas, que estão a 30, a 50 quilómetros de uma estrada principal, o que as torna muito difíceis de alcançar…”, sublinha Nuno.
Sem estradas nem caminhos de ferro, a ajuda está a chegar de barco – da Índia e da África do Sul – e, em outros casos, de helicóptero. “E depois há o risco acrescido de malária e cólera”, acrescenta o bancário, reforçando que a temperatura se mantém acima dos 30 graus e que chove copiosamente desde o início do ano. Daí as barragens estarem cheias e se recear a abertura das comportas. “Tudo isto é muito triste”, desabafa Nuno.