O relato é atribuído a Rico, um ator de 31 anos que não quis identificar-se. No mês passado, conta ele ao South China Morning Post, recebeu um telefonema a avisá-lo que tinham sido publicadas online informações sobre a sua condição de seropositivo. Ele e mais 14200 pessoas, uma listagem com nomes e moradas, gente infetada pelo menos desde janeiro de 2013. Tudo obtido por um americano que se acredita ter conseguido a informação do seu parceiro, um médico de Singapura.
“A comunidade LGBT está muito zangada e frustrada com o que poderá vir aí”, sublinhou Rico, mostrando-se receoso que a informação agora divulgada possa mudar a perceção que as pessoas têm sobre ele. “Por exemplo, não disse a todos os meus amigos que era seropositivo”, confessou, justificando que “em geral, a sociedade diz-se tolerante com a comunidade LGBT mas, na verdade, não acho que estejam prontos para aceitar um indivíduo gay e seropositivo”.
A descrição encaixa na perfeição com o que se sabe serem as práticas naquela cidade-estado: embora Singapura seja moderna em muitos aspetos, em termos sociais, a evolução não acompanhou o desenvolvimento económico, mostrando-se altamente conservadora, como outras partes da Ásia.
Durante muitos anos, os estrangeiros com VIH estavam proibidos de entrar na cidade. Em 2015, as autoridades levantaram essa proibição, autorizando visitas curtas, mas os que tencionam trabalhar têm de sujeitar-se ao teste. E isso, insistem as ONG locais, tem sido uma das razões para os portadores do vírus se queixarem se serem vítimas de preconceito.
Por exemplo, uma gestora de recursos humanos que trabalha na hotelaria, citada pelo diário local The Straits Times, assegurou que despedirá qualquer dos seus funcionários se os seus nomes estiverem entre os publicados – independentemente de ser claro que o vírus só se transmite por relações sexuais ou pela partilha de agulhas contaminadas.
“As pessoas estão a contactar-nos em lágrimas, porque os seus empregadores, amigos e familiares podem não reagir como desejavam”, salienta Sumita Banerjee, diretora executiva da ONG Action for Aids .
Ameaça mantém-se
Já as autoridades de Singapura garantem que foi bloqueado o acesso à informação, divulgada online pelo americano Mikhy Farrera Brochez, que terá assumido ainda ter acesso aos dados, ameaçando voltar a publicá-los.
Ao que se sabe, Brochez foi entretanto detido nos EUA, mas supostamente por invadir a casa da mãe – e já se declarou inocente das acusações que lhe são imputadas.
Entre elas está também o facto de ter chegado a Singapura em 2008 e ter usado amostras de sangue do namorado, o médico Ler Teck Siang, para passar no tal teste do VIH e obter o visto de trabalho.
Seria esse médico que tinha acesso aos registos de portadores do vírus e que teria facultado a lista a Brochez. Em maio de 2016, a polícia já tinha apreendido documentos, um laptop e uma série de telemóveis em buscas feitas no apartamento do médico e do americano, depois de ser informada de que ali poderia haver dados confidenciais.
Preso por mentir sobre a sua condição de portador de VIH, Brochez fora deportado de Singapura no ano passado.