Foi há um ano que quatro talibãs armados entraram no Hotel Intercontinental de Cabul, no Afeganistão, e fizeram explodir uma granada para abrir caminho, antes de começarem a disparar sobre seguranças e clientes. O ataque terrorista, que durou cerca de 12 horas, começou às 21h00 locais e provocou mais de 30 mortos.
Um ano depois do atentado, o piloto grego Vasileios Vasileiou, que estava hospedado na unidade hoteleira de luxo, relembra como conseguiu sobreviver ileso. E a sorte começou na hora de jantar. Isto porque, nesse dia, em vez de ir jantar às 20h30 como era habitual, o piloto decidiu descer às 18h com um colega, Michael Poulikakos. “Era a primeira vez, durante os três ou quatro meses em que vim ao Intercontinental, que estava a fazer isso”, conta à BBC.
O jantar terminou por volta das 19h30 e Vasileios regressou ao seu quarto, o 522, que ficava no último andar, para fazer umas chamadas, assim explica. Foi às 20h47 que ouviu uma grande explosão vinda da entrada do hotel e se dirigiu rapidamente para a varanda, onde viu um homem no chão e ouviu vários tiros e gritos vindos do interior e do exterior do hotel.
Depois de perceber a sorte que tinha tido por não estar a jantar à hora habitual no restaurante, o piloto percebeu que tinha de agir rápido. “Havia duas camas na minha suite, por isso peguei num dos colchões e coloquei-o contra a porta para me proteger de granadas”, relembra. “Depois, juntei alguns lençóis, toalhas e roupas e fiz uma corda para conseguir descer até ao quarto andar, caso fosse preciso”, continua.
Como não sabia quantos atacantes estavam dentro do hotel, mas sabia que saltar do quinto andar era demasiado perigoso, o piloto decidiu ficar dentro do quarto e fazer tudo o que conseguisse para se proteger. “Por alguma razão que não consigo explicar, fiquei inesperadamente calmo”, diz.
Vasileios apagou a luz e decidiu esconder-se atrás das cortinas e móveis, permanecendo daquela forma durante uma hora e meia. Sentiu, depois, os atacantes a andar no telhado, para afastar os helicópteros, e ouviu vários tiros no seu corredor. Foi nesse momento que toda a luz do hotel foi abaixo.
No quinto andar, onde o piloto se encontrava, o primeiro quarto em que os talibãs entraram foi o 521, mesmo ao lado do seu, que serviu de “centro operacional” dos terroristas durante as horas que se seguiram.
Assim que ouviu disparos contra a porta do seu quarto, o piloto mudou de esconderijo, colocando-se debaixo da cama que ainda tinha o colchão, e suportou o seu peso com as pontas dos dedos. “Conseguia ver alguma coisa, porque a cama estava a 10 cm do chão”, diz. O piloto conta que, a seguir, quatro homens abriram a porta do quarto com um martelo e um deles correu para a varanda, ao perceber que as janelas estavam abertas.
Depois disso, começou a ouvir tiros e pensou que, muito provavelmente, iria morrer. “Pensei na minha família, nos rostos dos meus filhos e nos bons e maus momentos da minha vida”, diz.
Os terroristas iam entrando e saindo do quarto, à medida que abriam outras portas desse andar e matavam pessoas, conseguindo até ouvir gritos de colegas seus antes de serem mortos, assim como os risos e festejos dos terroristas após as execuções.
Já de madrugada, os atacantes atearam um grande incêndio nesse andar, que os obrigou a sair. Durante cerca de 20 minutos, Vasileios não ouviu qualquer tiro e, por isso, resolveu sair do esconderijo.
“Quando saí, percebi que, enquanto estava escondido debaixo da cama, eles tinham disparado contra a outra e levantado a base de madeira para procurar alguém escondido debaixo dela”, diz.
Foi até à casa de banho, pegou em algumas tesouras de unhas e voltou para debaixo da cama. Com uma das tesouras, fez um buraco no material de plástico que cobria a parte de baixo da base de madeira da cama. “Havia espaço suficiente para eu me colocar lá dentro”, diz.
“Tinha pegado em duas garrafas de água e leite e numa t-shirt, que cortei aos pedaços pequenos e coloquei dentro do nariz para filtrar o fumo. Pus outro bocado da t-shirt à volta da boca e coloquei lá muita água e leite, que serviu de filtro duplo, uma coisa que aprendi com o treino no corpo de bombeiros”, assim conta.
Pouco tempo depois, o grupo de atacantes voltou e um deles sentou-se na cama onde o piloto estava escondido, dando ordens aos outros. Nesse momento, o hotel estava em silêncio e, por isso, Vasileios não podia fazer qualquer barulho.
Já perto do amanhecer, as forças armadas começaram a disparar contra os quartos, destruindo tudo, mas o piloto não foi atingido. Os terroristas atearam novamente um incêndio enorme e o piloto sabia que não sobreviveria durante muito mais tempo sem oxigénio, debaixo da cama. Ainda saiu durante uns minutos do esconderijo, mas percebeu que era perigoso demais e voltou a esconder-se.
Nas horas seguintes, o tiroteio entre os atacantes e a polícia continuou e só perto das 12h é que Vasileios ouviu os gritos da polícia. “Estava tão feliz que comecei a gritar e a tentar sair da cama”, conta. “Tive dificuldade em sair porque mal conseguia respirar, o meu peito estava a doer imenso por estar tanto tempo na mesma posição dentro da cama”, explica.
O piloto conta que os polícias ficaram incrédulos com a sua capacidade de resistência e um deles até pediu para tirar uma fotografia com ele, para relembrar o momento.
O colega Michael Poulikakos, com quem tinha ido jantar, também conseguiu sobreviver, mas muitos outros da sua equipa foram mortos pelo grupo atacante. O certo é que a capacidade de reação rápida do piloto, assim como a sua resistência e, claro, toda a sua experiência profissional – estudou gestão de crises e tomada de decisões durante anos – o salvaram de uma tragédia que tirou a vida a dezenas de pessoas.