Milhares de pessoas em todo o mundo devem a vida a James P. Allison e a Tasuku Honjo. Os dois cientistas, que acabaram de receber o Nobel da Medicina de 2018, desvendaram o mecanismo que está na base da mais promissora linha de ataque ao cancro dos últimos anos, a dita imunoterapia.
A identificação de duas moléculas do sistema imunitário, a CTLA-4 e a PD1, permitiu o desenvolvimento de novos medicamentos – aprovados em quase todo o mundo, incluindo Portugal – que se baseiam na utilização dos recursos do próprio organismo para combater a doença. Quando tudo está a funcionar em pleno, o nosso sistema imunitário é capaz de detetar as células malignas, eliminando-as e evitando o cancro de progredir. Só que algumas células doentes são capazes de tirar partido do sistema natural de controle das defesas, uma espécie de travão que nos protege das doenças autoimunes e permite a gravidez, por exemplo, para escapar e proliferar. Na prática, o que estes novos medicamentos fazem é destravar o travão, deixando o corpo atuar e eliminar as células indesejáveis.
Os primeiros resultados positivos surgiram na área do melanoma, sendo a evolução dos doentes tão surpreendente que alguns médicos começaram mesmo a usar a expressão “revolução.” De um tipo de cancro particularmente agressivo e com muito poucas opções terapêuticas, passámos para uma realidade em que existem doentes em remissão e a viver livres de doença por mais de uma década.
Do tratamento do melanoma, a imunoterapia passou também a ser usada no cancro do pulmão e noutros tumores sólidos, com resultados também muito positivos.
Helena Soares, investigadora do CEDOC (Centro de Estudos de Doenças Crónicas da NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa), estuda estas mesmas moléculas, em particular o seu envolvimentos em doenças autoimunes e na infeção por VIH. “O sistema imunitário tem de estar controlado para não atacar as nossas próprias células”, esclarece, que é o que acontece numa doença autoimune, como a esclerose múltipla ou a artrite reumatóide. Podemos pensar que num extremo, de travão a fundo, surge o cancro ou infeções como a provocada pelo VIH, no outro extremo, de rédea solta, temos as doenças autoimunes em que o sistema imunitário, desgovernado, ataca até o próprio organismo que deveria proteger.
“Este prémio Nobel veio realçar a importância de compreender o sistema imunitário, em que há tantas nuances na manutenção do equilíbrio. É um sistema que funciona de uma forma muito elegante”, nota a cientista. Na verdade, nos últimos anos temos assistido a um ressurgimento do interesse por esta área. Uma notoriedade alcançada também graças ao prémio Nobel de 2011 [atribuído a cientistas que também estudaram a ativação do sistema imunitário].
“É relevante que este ano tenha sido atribuído a uma investigação com forte aplicabilidade”, sublinha Helena Soares, visivelmente satisfeita com a decisão da Academia Sueca.