A NASA lançou um estudo em 2015 que envolvia dois gémeos idênticos: um foi posto em órbita durante um ano, o outro ficou em terra a ser examinado. O objetivo do Twins Study era o de estudar ambos os gémeos e encontrar possíveis mudanças que a vida no espaço pudesse trazer. A crer nas notícias que circularam nos últimos dias, o “gémeo espacial” teria regressado com 7% do seu código genético modificado… o que equivaleria a outra espécie, como lembra o The Atlantic.
O astronauta Scott Kelly passou o ano de 2015 em órbita, a bordo da Estação Espacial Internacional. Quando regressou, foram descobertas várias mudanças menores no seu ADN. Estas foram-se normalizando gradualmente ao longo do tempo, umas ao fim de uns dias, outras apenas ao fim de alguns meses. Contudo, passados dois anos de já se encontrar em Terra, 7% da sua expressão genética permanece diferente do que era antes de iniciar o voo espacial. A expressão genética é o nome que se dá ao processo pelo qual a informação contida nos genes se transforma nas suas diferentes funções.
O estudo da agência espacial norte-americana teve o objetivo de perceber o que se passava com Kelly antes, durante e após este passar um ano no espaço. Na Terra ficou o seu irmão gémeo Mark Kelly, de modo a poderem ser feitas comparações entre os dois. Estiveram envolvidas mais de 10 equipas de cientistas, tanto na Terra como no espaço.
Dadas as alterações genéticas de Scott, seria possível deduzir que ele e Mark já não são irmãos gémeos idênticos, mas é precisamente o contrário que a NASA começa por garantir no início da nota que publicou na última quinta-feira: “Mark e Scott Kelly ainda são gémeos idênticos”. As transformações de Kelly são apenas respostas do corpo à diferença extrema de ambiente, não muito diferente do que acontece na Terra em situações de stress ou de grandes diferentes de altitude ou pressão como no mergulho e alpinismo.
Os resultados preliminares mais recentes do estudo foram divulgados este ano no congresso 2018 Investigator’s Workshop do Human Research Program, da NASA, e vão ao encontro da primeira ronda de resultados publicada no ano passado, no mesmo evento.
De modo a monitorizar as mudanças físicas causadas pelo tempo passado no espaço, os cientistas da agência mediram os níveis de metabólitos (que refletem a ação do metabolismo), citocinas (moléculas segregadas pelo sistema imunitário) e proteínas (que participam em quase todos os processos celulares) de Kelly, antes, durante e após a missão.
Através destas medidas, os investigadores descobriram que o voo espacial expõe o corpo humano a stress causado pela privação de oxigénio, a inflamações mais recorrentes e a alterações nutricionais dramáticas. Tudo isto vai afetar os genes e a forma como estes se expressam.
Christopher Mason, professor da Weill Cornell Medical College, nos EUA, focou-se principalmente nas diferenças observadas no ADN e no ARN de Kelly durante a missão.
Embora 93% da sua expressão genética tenha voltado ao normal com o regresso à Terra, os restantes 7% mantiveram-se inalterados até hoje. Estas alterações, acredita o investigador, foram causadas especificamente pelo stress causado pelo voo espacial e podem alterar a função de algumas células do corpo do astronauta.
Mason e a sua equipa observaram que as células de Kelly foram afetadas por hipoxia (uma oxigenação deficiente), possivelmente graças às grandes concentrações de dióxido de carbono na estação. Também foram observados danos nas mitocôndrias das células, responsáveis pela respiração celular.
Os telómeros de Kelly – as “tampas” que se encontram no fim dos cromossomas – também aumentaram exponencialmente de tamanho enquanto o astronauta esteve em órbita, tendo regularizado 48 horas após a aterragem na Terra. Os cientistas acreditam que a radiação e as restrições calóricas podem estar na base desta transformação.
Foram ainda descobertas alterações na coagulação sanguínea, nos níveis de colagénio e na formação óssea de Kelly, que os cientistas acreditam ser produto da adaptação do corpo à gravidade zero. O sistema imunitário do astronauta entrou em hiperatividade durante a missão, graças à mudança radical de ambiente, de terráqueo para espacial.
O Twins Study foi desenvolvido com o intuito de fornecer dados sobre os efeitos de passar longos períodos de tempo no espaço, mais do que os típicos seis meses que as missões à Estação Espacial Internacional demoram. A NASA está a planear uma missão de três anos a Marte, à qual poderá ser influenciada pelos resultados deste estudo.
Os resultados apresentados até agora são apenas preliminares, e a NASA tenciona continuar o estudo e retirar o máximo de informação possível da experiência.