Um lenço branco, preso na ponta de um pau, agitado bem alto por uma mulher que acabara de subir para cima de uma caixa de eletricidade, na movimentada avenida Enghelab, no centro de Teerão, chamou de imediato a atenção de quem por ali passava, numa aparentemente banal tarde de quarta-feira, 27 de dezembro. Várias pessoas fizeram fotos e pequenos filmes com o telemóvel e começaram a partilhar o protesto nas redes sociais. Trinta minutos depois, a ativista seria algemada pela polícia e levada para lugar incerto.
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Imagem publicada na página de Facebook My Stealthy Freedom, onde mulheres iranianas partilham fotos sem o hijab
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A “mulher de Enghelab”, como passou a ser conhecida, chama-se Vida Movahed, tem 31 anos e é mãe de uma bebé de 19 meses. Não se rendia a nada nem a ninguém. Pelo contrário: reivindicava o direito das mulheres a não usarem o hijab, obrigatório no Irão desde a revolução islâmica de 1979. Foi detida durante um mês e libertada no passado domingo, 28 de janeiro, graças à pressão de advogados de organizações internacionais de direitos humanos.
A sua história foi contada pela jornalista e ativista iraniana Masih Alinejad, exilada há alguns anos em Nova Iorque, nos EUA, e que lançou em 2014 o movimento de resistência pacífico “My Stealthy Freedom“, no Facebook, desafiando as mulheres a retirarem o seu hijab. Desde então, há protestos agendados para todas as quartas-feiras (as #WhiteWednesdays), e centenas de iranianas têm partilhado nas redes sociais as suas fotografias de cabeça descoberta.
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Narges Hosseini foi detida a 29 de janeiro em Teerão e as autoridades pedem 90 mil euros de caução para a libertarem
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Contudo, apesar de audaz, o ato de retirar o lenço por uns segundos para fazer uma fotografia não exige a mesma coragem que Vida Movahed demonstrou, mantendo-se em protesto público até ser detida pela polícia (ter a cabeça descoberta em público é um crime punível com dois meses de prisão).
Vida já teve pelo menos quatro seguidoras, presas esta semana. Uma delas chama-se Narges Hosseini e foi detida a 29 de janeiro. Segundo explicou o advogado Nassrin Sotoudeh ao jornal Le Monde, as autoridades pedem 90 mil euros de caução para a libertarem, uma soma impossível de pagar por qualquer família de classe média iraniana. É ainda incerto se haverá outros processos judiciais futuros contra estas mulheres.
Nas últimas 48 horas têm-se multiplicado os protestos, sendo difícil antever como é que as autoridades do Irão planeiam travar esta revolução feminina em curso. Até agora, a prisão tem sido a forma de atemorizarem as mulheres – já no ano passado reprimiram assim um incipente movimento de iranianas que começara a conduzir sem lenço, argumentando que o carro deveria ser considerado um espaço privado.
Desde esta semana, várias caixas de eletricidade de Teerão (como a que foi transformada em palco por Vida Movahed) estão a ser “guardadas” por carros de polícia, buscando intimidar outras ativistas. Mas se dezenas ou centenas de mulheres ousarem desafiar a lei, o que acontecerá? Certo é que, de lenço branco esvoaçando ao vento, Vida Movahed transformou-se já num ícone da luta pela liberdade das mulheres no Irão, e de todas as mulheres que, de peito aberto e sem temor, ousam dizer que não se rendem.