Ao contrário do governo espanhol, o iraquiano não confiscou urnas, nem boletins de voto para evitar o referendo sobre a secessão, mas a digestão do resultado promete ser muito turbulenta. Mais de 3,3 milhões de eleitores na região autónoma curda (KRG), a norte do Iraque, foram chamados a votar na última segunda-feira (25 de setembro) e dos 72% que participaram, 92,73% escolheram o ‘sim’ à independência.
No enclave, uma multidão saiu às ruas para celebrar os resultados oficiais, divulgados hoje pela Comissão Eleitoral. De Bagdad, no entanto, chegam más notícias. As tropas iraquianas foram já mobilizadas pelo parlamento do país para a cidade de Kirkuk e o primeiro-ministro Haidar al-Abadi exigiu o “cancelamento dos resultados”. O referendo teve lugar em três províncias iraquianas que formam a região curda, assim como nas áreas em disputa, como Kirkuk, que hoje estão controladas pelas forças militares curdas (Peshmerga).
Abadi, que desde o início classificou o referendo de ilegítimo e inconstitucional, reclama que o KRG devolva a Bagdad o controlo das fronteiras e das receitas petrolíferas. O prazo para o ultimato acaba na sexta-feira (29 de setembro) e, sem ‘luz verde’ do KRG, o líder iraquiano ameaça desviar todos os voos internacionais com destino aos aeroportos da região turca, Erbil e Sulaimaniya. A tentativa de isolar e castigar a região está já a resultar: a companhia aérea do Líbano e a EgyptAir preveniu já os clientes que irá suspender os voos de e para Erbil a partir de 29 de setembro.
O voto dos curdos, no Iraque, abriu as hostilidades com o governo de Abadi e tem a partir daqui potencial para fazer escalar uma crise para lá das atuais fronteiras iraquianas. A autonomia, e ainda mais a independência, é uma ambição antiga dos curdos espalhados também pelas regiões vizinhas da Síria, Irão e Turquia. Ao todo são 30 milhões dispersos por vários países desde a queda do Império Otomano há um século.
Os curdos iraquianos “vão passar fome”, reagiu Recep Erdogan, presidente da Turquia, antes de ameaçar com o encerramento das fronteiras com o norte do Iraque, incluindo o corte do pipeline petrolífero, e avisar que todas opções económicas e militares estão sob a mesa. “Há o risco de uma guerra étnica”, disse. Na Turquia vivem cerca de 14 milhões de curdos, sobretudo no sudeste do país, onde uma longa guerrilha e insurgência mantém a pretensão de autonomia ou independência.
Com excepção de Israel – que não só apoiou o referendo, como defende a criação de um Estado curdo –, a comunidade internacional mantém um silêncio cauteloso. Washington ainda tentou que a consulta popular fosse adiada, com receio que um conflito entre Erbil e Bagdad fragilize a delicada paz no país e boicote o combate ao Estado Islâmico (Daesh).Apesar de “desapontado”, o Departamento do Estado dos EUA adintou já que as relações com os curdos não irá mudar.