Estava de partida, em Los Angeles, com destino à Arábia Saudita, quando foi barrado com um pedido pouco usual: o serviço de fronteiras exigia verificar o seu telefone pessoal. Haisam Elsharkawi, cidadão americano, 34 anos, nem queria acreditar – mas a verdade é que só ao fim de três horas, e depois de ceder à pressão da polícia, é que conseguiu seguir o seu caminho. Já tinha perdido o voo.
Durante o tempo em que esteve retido foi repetidamente pressionado a desbloquear o seu telemóvel. Queriam ver os contactos, as fotos, as aplicações e as suas contas nas redes sociais. Ameaçaram apreender-lhe o equipamento, caso recusasse colaborar. “Viajo o tempo todo e nunca me tinha feito semelhante pedido”, disse Elsharkawi, um vendedor de dispositivos eletrónicos, citado pelo New York Times (NYT).
Não é caso único. Um cientista da NASA, o também cidadão americano Sidd Bikkannawar, denunciou uma situação idêntica no aeroporto de Houston, quando regressava de uma viagem de lazer à América do Sul – poucos dias depois da tomada de posse da administração Trump.
E isto pode mesmo acontecer com qualquer um?
Segundo avança o NYT, os agentes responsáveis pela segurança das fronteiras nos Estados Unidos têm efetivamente autoridade legal para conduzir certas buscas que um agente não poderia fazer, normalmente, nas ruas. As leis que permitem aos agentes revistar passageiros à entrada e saída do país, sem qualquer mandado judicial, com o intuito de garantir a segurança e combater a imigração, foram alargadas aos equipamentos eletrónicos.
As vozes de protesto não demoraram a fazer-se ouvir: “antes de poderem aceder a uma série de informações de caracter privado, as autoridades deviam ser obrigadas a ter suspeitas muitos fortes de atividades ilegais”, sublinha Nathan Wessler, um advogado da União Americana de Liberdades Civis. “Os aspetos mais privados das vidas das pessoas serão postos a nu sem ser necessária qualquer justificação.”
A norma existe desde a administração Obama e, embora ainda não haja dados oficiais que permitam afirmar que os casos aumentaram desde que Trump tomou posse, segundo ativistas repetem-se cada vez mais. Ao que confirmou um agente da alfândega, que não quis identificar-se, só em 2015 foram inspecionados perto de 4500 telemóveis e outros 320 equipamentos. Os dados de 2016 e 2017 ainda não foram divulgados.
Isso quer dizer que somos obrigados a desbloquear o telefone ou o portátil?
Não. Mas podem pedir-lhe para cooperar voluntariamente e tornarem-lhe a experiência muito desconfortável, se decidir resistir. Pode ainda ver o seu equipamento apreendido durante semanas até ser devolvido. No entretanto, os seus dados podem ser copiados – e depois destruídos, se não tiverem qualquer relevância para as autoridades. Os relatos conhecidos indicam que a detenção pode demorar horas e o interrogatório bastante agressivo. Além disso, como aconteceu com Sidd Elsharkawi, o tal americano que se preparava para embarcar para a Arábia Saudita – numa viagem que incluía uma paragem em Istambul e ainda em Meca – o pagamento da viagem não foi devolvido. Passageiros que não tenham a cidadania dos EUA podem ter ainda mais problemas, sobretudo à entrada naquele país, podendo inclusivamente ver-lhe negado acesso. Em outubro passado, aconteceu com uma jornalista canadiana, que ia a caminho do Dakota para cobrir a história dos protestos contra a construção do oleoduto: depois de se recusar a desbloquear o telefone, justificando que precisava proteger as suas fontes, não foi autorizada a entrar.
E também temos de revelar a nossa palavra-chave de acesso às redes sociais?
Não. Mas tenha em conta que, ao desbloquear o telefone, pode acabar por permitir o acesso a essas contas: mesmo que não revele a palavra-chave, a maioria das pessoas está por sistema ligada permanentemente. Os receios de que esse acesso se torne obrigatório aumentam: Na semana passada, John Kelly, secretário de segurança nacional, afirmou que estavam a considera-lo no caso de passageiros imigrantes e refugiados. A administração Obama avaliou uma medida parecida mas nunca chegou a concretizá-la.
O que pode fazer para evitar complicações na fronteira americana?
Viajar com a menor quantidade de dados possível. Hassan Shibly, a diretora executiva do Conselho Islâmico-Americano, da Florida, sugeriu até que as pessoas passassem a comprar telefones baratos e descartáveis antes de entrarem no aeroporto. Pode ainda tentar chegar ao aeroporto sem bateria – depois de proteger os seus dados de forma encriptada.
E o que fazer no caso de lhe acontecer?
É uma decisão pessoal. Por uma questão de princípio, ninguém deveria ceder a desbloquear o telefone e deveria ainda pedir um representante legal. Mas, lá está, prepare-se para momentos menos simpáticos. Sidd Elsharkawi, o tal cidadão americano, com residência registada em Anaheim, Califórnia, mulher e três filhos, assume que referir o advogado ainda inflamou mais a sua situação. “Senti-me literalmente a abrir as portas do inferno. Foi quando começaram a atacar-me verbalmente: mas porque precisa de advogado? É um criminoso? O que está a esconder?”.
“Por fim”, rematou o americano, depois de permitir que examinassem o telefone, foi libertado de imediato.