Os responsáveis da NATO, o Pentágono e o Departamento de Estado norte-americano bem tentam forçar a tónica do discurso de que o o sistema de defesa de mísseis balísticos não se dirige contra a Rússia. Até a expressão “escudo” já começou a ser evitada. Preferem, chamar-lhe “guarda-chuva”, como o fez Douglas Lute, embaixador dos Estados Unidos junto da NATO, esta quarta-feira, 11, em Bucareste, capital da Roménia, numa conferência de imprensa muito concorrida.
Já na véspera, Robert Bell, conselheiro da representação dos EUA na Aliança Atlântica, dissera que as preocupações de Moscovo não passam de uma “paranoia estratégica” dos russos. “A concretizar-se, agora, o pior dos cenários (um conflito com a Rússia), seria impossível usar o sistema”, disse.
Nos últimos dias, o ruído aumentou substancialmente nas relações (em si já tensas) entre a Rússia e o Ocidente, subindo a um nível que faz lembrar momentos acalorados da Guerra Fria. Tudo por causa do “guarda chuva” norte-americano. Destinado a proteger a Europa de uma potencial ameaça com origem no flanco Sudeste da NATO, a sua operacionalidade será formalizada, esta quinta-feira, 12, com a passagem para a Aliança Atlântica do controlo das instalações antimíssil na base aérea romena de Deveselu, 200 quilómetros a sudoeste de Bucareste, junto à fronteira com a Bulgária. Mais: já na sexta-feira, 13, iniciam-se os trabalhos para a construção de outra base similar na Polónia, que deverá estar operacional já em 2018.
Com um sistema capaz de obliterar mísseis balísticos a surgir-lhe literalmente à porta, a Rússia diz-se diminuída na sua capacidade de dissuasão nuclear. Contudo, segundo Washington, este sistema, cuja criação foi decidida em 2010 durante a cimeira da NATO em Lisboa, visa defender todo o território da NATO de uma potencial ameaça de mísseis balísticos vinda do Médio Oriente. “A defesa antimíssil é um desincentivo para o Irão”, disse Bell. “O Irão testou, nos últimos meses, mísseis com capacidade para atingir a Europa”, afirmou, por seu lado o embaixador Douglas Lute.
Ainda que no discurso da NATO seja o Irão a ameaça e se garanta que o “escudo” em nada prejudica a a Rússia, o certo é vai aumentar a crispação de Moscovo ou pelo menos servir de pretexto para tal. Segundo a NATO e os EUA o sistema é puramente defensivo e impotente contra o sofisticado e numeroso arsenal russo de mísseis balísticos intercontinentais.
A base de Deveselu deverá contar com 25 mísseis de interceção e é apenas uma parte de um programa norte-americano e da Aliança Atlântica intitulado Aegis Ashore, cujo centro nevrálgico, se situa na base da NATO de Ramstein, na Alemanha. O sistema conta ainda com quatro contratorpedeiros norte-americanos, estacionados na base naval espanhola de Rota. Equipados com radares de rastreio, que funcionam como “sensores”, e mísseis de interceção SM3, estes navios podem ser enviados para qualquer ponto do Mediterrâneo, Atlântico ou Báltico. Outra componente situa-se na base de Kurecik, na Turquia, onde já estão instalados “sensores” terrestres. Outros países podem contribuir para o sistema. Entre eles está a Holanda, que disponibilizou fragatas de defesa antiaérea.
Uma vez detetado o lançamento de um míssil balístico, este será seguido pelos radares, que transmitem a informação a um satélite, que por sua vez a retransmite à base de Ramstein e às unidades de mísseis. Depois de confirmada a ameaça, será disparado um dos intercetores. Testes levados a cabo nos Estados Unidos, apontam para uma eficácia na ordem dos 80 por cento. O primeiro teste realizado no âmbito NATO em ambiente real realizou-se, a 15 de outubro, ao largo da Escócia, tendo envolvido vários Estados-membros da NATO.
No ano passado, a Rússia reagindo aos planos se instalarem mais plataformas do escudo na Polónia, ameaçou destacar mísseis Iskander para Kaliningrado, um enclave russo entalado entre a Lituânia e a Polónia, tido como a zona mais militarizada do continente europeu.
Com um alcance de 500 quilómetros, os Iskander podem ser equipados com ogivas nucleares ou convencionais. Depois de manobras militares da NATO na Polónia, chegaram mesmo a ser temporariamente destacados, no outono de 2015, para a Kaliningrado, onde os russos também fizeram exercícios. Nos meios militares ocidentais crê-se que alguns desses mísseis ainda permanecem na região, a partir da qual podem alcançar várias cidades polacas em menos de um minuto.
A NATO insiste em que a Rússia está a protestar contra forças incapazes de a atingirem na sua capacidade dissuasora. É tecnicamente impossível, diz-se. Em Bucareste, o embaixador Douglas Lute falou numa crescente sofisticação quantitativa e qualitativa dos mísseis russos afirmando que “a nossa defesa antimíssil não tem capacidade de os destruir”.
A VISÃO viajou a convite da representação dos Estados Unidos junto da NATO – USNATO