Ao mundo, à superfície, chegou a imagem de um grupo unido e solidário, mas, agora que estão a salvo, os mineiros contam algumas versões diferentes e, apesar do pacto que terão feito, falam de divisões e discussões que terão chegado mesmo ao ponto do confronto físico, além do medo inconfessado, de canibalismo, nos 17 dias em que todos pensavam que eles estivessem mortos.
Ainda na cama do hospital de Copiapó, o chefe de turno dos mineiros, Luis Urzúa, conta que o secreto para manter a união entre os 33 homens foi a democracia: “Tudo era submetido a votação Éramos 33, portanto 16 mais um era uma maioria.”
Mas à medida que os mineiros vão contando as suas versões dos mais de dois meses em reclusão, o cenário de união, louvado tantas vezes pelas autoridades chilenas, começa a cair por terra.
Em entrevista ao britânico The Guardian, Richard Villaroel recorda os 17 primeiros dias, antes de terem sido localizados. O mecânico, de 23 anos, conta que o clima dentro da mina começou por ser de desespero e desunião, naqueles dias em que acreditaram que iam morrer ali fechados, à fome. Alguns homens, relata, deitaram-se e recusavam-se a levantar-se.
Durante os primeiros 17 dias, a alimentação de cada um foi o equivalente a uma colher de atum ou salmão, uma vez em cada 24 horas. Villaroel perdeu 12 quilos. “O meu corpo comia-se a ele próprio”. Mas chegaram a temer o canibalismo? O mineiro fez uma pausa: “Na altura ninguém falou sobre isso. Mas depois tornou-se uma piada, mas só depois de nos terem encontrado”.
Mas Villaroel não diz mais. É que, uma vez que perceberam que iam ser salvos, os mineiros terão firmado um “pacto de sangue” no sentido de não contarem o que passou a 700 metros de profundidade.
“O que se passa na mina, fica na mina”. A frase de Dario Segovia, na semana passada, em videoconferência com a família, confirma o pacto.
E um dos segredos que deveria permanecer soterrado debaixo do deserto de Atacama será, pelo que as declarações dos mineiros permitem descortinar, precisamente as divisões entre eles.
Osman Araya contou ao irmão que se formaram três grupos e que eram frequentes as discussões sobre os espaços dentro da mina e as tarefas.
Segundo o The Guardian, Daniel Sanderson, colega dos mineiros que ficaram presos, diz ter recebido uma carta em que são descritas as discussões que chegaram ao ponto de confrontos físicos.
Um dos factos que tem sido invocado para provar a desunião lá em baixo prende-se com o primeiro vídeo, em que são visíveis apenas 28 homens. O diário espanhol El País relata que os outros cinco tinham formado um grupo à parte, que viveria isolado e que estaria a tentar a sua própria estratégia de saída da mina.
Seja como for, o primeiro teste à alegada solidariedade está para breve, com o início dos contratos, seja de publicidade, de divulgação da sua história ou até mesmo para um filme.