Para muitos portugueses, a ceia de Natal é um sinónimo de tolerância, família e confraternização. Mas também de colesterol e triglicéridos em níveis máximos. Do peru com batatas assadas aos recordes de açúcar em sobremesas com todos os ovos que possa imaginar. O jantar de Natal é uma história portuguesa. Não apenas pelo obrigatório desapertar do cinto das calças, mas porque é um bom ponto de partida para olhar para a relação comercial do País com o resto do mundo. Bacalhau, cebola, arroz, nozes, passas, canela… Portugal depende do exterior para obter muitos dos produtos que estarão na mesa da sua ceia natalícia.
Todos os anos, Portugal compra a outros países 80 milhões de euros em diferentes produtos de carne de peru, outros 80 milhões de frango e quase 500 milhões de euros de bacalhau. Também há empresas a exportar estes bens a partir de Portugal, mas em menor escala. Só nestes três produtos, o défice comercial ascende a perto de 480 milhões de euros. Um valor não despiciendo, tendo em conta o défice de 12 mil milhões que Portugal tinha na balança de bens em 2017.
E não é só carne e peixe que é preciso comprar lá fora para satisfazer as necessidades nacionais. Todos os anos, importamos 71 milhões de euros em batatas, 14 milhões em cebolas e 54 milhões em arroz. Também nestes casos, compramos mais do que vendemos. Até as passas prejudicam o saldo da balança comercial portuguesa, em quase 12 milhões de euros ao ano. Um facto que, pelo menos em parte, pode ser explicado com aquele familiar chato que insiste que é preciso encher a boca com 12 durante a passagem de ano.
Quando chegamos às sobremesas – ou, pelo menos, ao que está dentro delas –, a balança começa a inclinar mais para o nosso lado. Somos excedentários na compra e venda de leite, manteiga e ovos, assim como farinha e açúcar. Nos essenciais pão, vinho e azeite Portugal também é, acima de tudo, vendedor.
Boicote às prendas
Como se comprova entrando em qualquer centro comercial em dezembro, o Natal traz também um pico de consumo durante as últimas semanas do ano. Agora ele poderá ser ainda mais significativo, porque os funcionários públicos e os pensionistas voltaram este ano a receber o subsídio de Natal por inteiro nesta altura, em vez do pagamento em duodécimos ao longo de 12 meses. O Jornal de Negócios escreveu que será um fator decisivo para alcançar o objetivo de crescimento de 2018, do qual depende, por sua vez, a meta de défice.
Nos números agregados não é fácil desvendar o impacto do Natal na economia portuguesa, mas ele existe. Segundo a Deloitte, cada família portuguesa planeia gastar, em média, 314 euros durante esta quadra. Curiosamente, 7% abaixo do ano passado e muito longe dos 610 euros que cada agregado tencionava gastar em 2008, antes do pior da crise chegar à carteira dos portugueses. Alimentação e bebidas têm um peso de 36% nos gastos que os portugueses planeiam fazer, com os presentes a representarem mais de metade do total.
A tão esperada/temida troca de prendas é motivo de alguma controvérsia económica. Por um lado, o efeito no consumo é difícil de negar. Por outro, ele envolve bastante desperdício. Provavelmente ninguém fez mais por essa tese do que Joel Waldfogel que, em 1993, escreveu um artigo intitulado The Deadweight Loss of Christmas, no qual explica que é um disparate económico insistirmos em trocar presentes. Além do stresse habitual do “não sei o que hei de comprar à tia Hermínia”, quando oferece a alguém uma prenda de 50 euros, o mais provável é que a pessoa que a recebe fizesse uma escolha melhor para si mesma se fosse ela a escolher onde gastar esse dinheiro.
“Quando os economistas comentam a troca de prendas do período festivo, normalmente elogiam o saudável efeito macroeconómico dessa despesa. Mas uma característica importante da troca de prendas é que as escolhas são feitas por outras pessoas que não o consumidor final”, escreveu o economista norte-americano. “As prendas podem não corresponder às preferências de quem as recebe.”
A ineficiência pode ser brutal. Waldfogel estimava que entre 10% e um terço do valor dos presentes é “destruído” com o modelo de troca. É uma perspetiva digna de Ebenezer Scrooge de Um Conto de Natal e adotá-la provavelmente torná-lo-ia um pária no seio da sua família. Mas também poderia erradicar a tradição anual de troca de peúgas entre familiares que apenas se veem uma vez por ano.
É uma conclusão pouco festiva, mas afinal este é um texto de economia sobre o Natal.