Belmiro de Azevedo, 62 anos, maior accionista (52%) e líder do maior grupo empresarial português, a Sonae, é um homem de posições frontais e sem papas na língua. Construiu o seu império, que poderá valer cerca de mil milhões de contos, em menos de 20 anos, «no mercado e sem benesses», a múltiplos títulos se distinguindo dos seus pares. As suas afirmações desassombradas costumam provocar verdadeiras tempestades, mas muito raramente dá entrevistas. Falou agora longamente à VISÃO, não só de alguns temas relacionados com o seu grupo e a economia portuguesa, como de outros assuntos candentes da realidade nacional e seus protagonistas. Mas, sobretudo, nesta conversa de múltiplos registos, faz muitas revelações sobre a sua maneira de ser. Assim, fica mais nítido o perfil deste vencedor de inúmeras batalhas, espécie de «capitalista de rosto humano», para quem Portugal já é «muito pequeno para a Sonae » e «a mais-valia material que nós formamos, do dia do nascimento até ao da morte, é um fatinho e um par de sapatos». E que admite ser um «romântico».
VISÃO: Em 1991 a Sonae facturou 200 milhões de contos, em 1995 fixou como objectivo de 2000 facturar mil milhões e ultrapassou-os.
BELMIRO DE AZEVEDO: Atingimos cerca de 1 200 milhões de contos.
V.: Sente-se como o atleta que chegou à meta em 1.º lugar e ainda com melhor tempo do que se propunha?
B.A.: Passo a vida a correr e a ultrapassar metas. Estou sempre ocupado com coisas novas, diferentes: faz parte da cultura das pessoas que comigo trabalham e constitui um dos grandes méritos do grupo Sonae. É fundamental ter disponibilidade para a mudança e, sem nenhum sacrifício, a mudança faz parte da nossa vida.
V.: Sim, mas fixou objectivos muito ambiciosos e ultrapassou-os.
B.A.: Uma coisa tem a ver com a outra.
Isso deve-se a termos entrado em novos negócios, que proporcionaram facturações adicionais, antes não previsíveis.
Por exemplo: uma grande aquisição no sector das madeiras e a Optimus. É a nossa atenção permanente a novas oportunidades que explica os resultados conseguidos.
V.: Novos negócios até podem significar mais riscos, ou não?
B.A.: Claro. Somos um grupo muito diversificado e ao diversificar necessariamente corremos riscos. Eu sou, por natureza, um risk-taker. E às vezes entramos em negócios que falham. Então, é preciso fazê-los abortar muito rapidamente.
V.: Esse é um dos segredos do negócio?
B.A.: É. Diz-se que sou demasiado perfeccionista, que a Sonae ganha em tudo o que se mete. Não é assim. Já cometemos sete ou oito erros graves, que nos fizeram perder largos milhões de contos. Foram negócios que conhecíamos pior, como os do Printemps, da Conforama, das vendas por catálogo, a história do banco… Uma empresa dinâmica, competente, quando vê que a «criança» não aprendeu a andar, a falar, não pode ficar agarrada a ela tem de cortar logo o mal pela raiz.
V.: Também ultrapassou outra meta: passou a ser o homem mais rico de Portugal, com uma fortuna calculada em mais de 400 milhões de contos. E agora?
B.A.: Esses cálculos da riqueza são razoavelmente mal feitos. No meu caso, tenho tudo em empresas e é muito fácil ler a
situação líquida. Mas noutros casos, só vêem o activo e não o passivo…
Bom, a minha relação com a riqueza é muito estranha. Eu considero-me um feitor. Vivo com o rendimento do meu salário. Tudo o que as empresas ganham é reinvestido de uma maneira completamente transparente. É aquilo a que tenho chamado o social-capitalismo. O que me dá gozo é criar riqueza e formar pessoas, são estes os meus melhores dividendos.
Tenho muito claro para mim que a maisvalia material que nós formamos, do dia do nascimento até ao dia da morte, é um fatinho e um par de sapatos.
V.: Está-me a fazer lembrar o Alberto Caeiro do «Se depois de eu morrer quiserem escrever a minha biografia»...
B.A.: Há pessoas que parece quererem levar a riqueza para o outro lado. Eu não sou desses, não tenho esse problema. Para mim o prazer está na riqueza activamente utilizada, a produzir trabalho, emprego, a fazer aumentar o nível de vida das pessoas. Património parado é nocivo à sociedade, deve ser mais tributado, para ver se os seus donos mudam. Património activo, deve ser tributado adequadamente, não castigado.
V.: Em Bolsa, qual é o valor das sua empresas e da sua fortuna?
B.A.: Varia muito, conforme as cotações. As empresas já andaram nos 900 milhões de contos. Como eu tenho 52 a 53% (da minha holding pessoal), isso que chama de fortuna daria então cerca de 450 milhões. Mas, agora, aquele total está nos 500 milhões, tem havido grandes flutuações bolsísticas.As contas são fáceis de fazer, pois não tenho praticamente dívidas pessoais.
V.: Mas o valor real não oscila assim tanto e é superior ao bolsístico.
B.A.: O que posso dizer é que os analistas apontam para o dobro do actual valor bolsístico. A Sonae já esteve, aliás, a tocar nos mil milhões de contos de valorização. Insisto, no entanto, que essa história de ser rico para mim não é o importante. E ninguém me maça com ela, a não ser o poder político, que às vezes diz: esse tipo é tão rico, tem tanto poder, que até fala!…
V.: O dinheiro dá poder e há quem o considere mesmo, também, o homem mais poderoso de Portugal. Que acha?
B.A.: Dizem isso, não sei porquê. Porque penso que quando o dizem pressupõem que o dinheiro é mal utilizado. Ora não me podem dar um só exemplo de eu o utilizar mal; nem um só exemplo de arrogância da minha parte. Uso o dinheiro com uma grande responsabilidade social.
Somos, na Sonae, provavelmente os maiores arrecadadores de IVA do País, cerca de 200 milhões de contos por ano. E somos (pode parecer pretensão dizê-lo) cidadãos exemplares. Não tenho telhados de vidro, ou se tenho são tão pequenos que não dou por eles por isso gozo de uma grande liberdade. E como quem não deve não teme, às vezes digo coisas que não são muito agradáveis para os governos.
V.: Com que intenção o faz?
B.A.: De uma maneira muito positiva, com toda a transparência, chamando a atenção para o que no nosso entendimento é mau. Mau para o País, para toda a gente, não para a Sonae ou para o Belmiro de Azevedo, que não tem nenhuma chance de gastar um cinquentésimo da sua fortuna…
V. … Nem é esse o seu gozo…
B.A.: … Não é esse o meu gozo. Às vezes chamam-me forreta, porque levo uma vida pacata, não sou exibicionista não é por nada, nasci assim, sou assim. Mas também não tenho complexos de pagar uma boa refeição e gastar até dinheiro mal gasto, um jantar que em vez de custar 10 ou 20 contos por pessoa custa 50.
V.: Não fica com remorsos.
B.A.: Exactamente. Porque esse dinheiro vai entrar num circuito económico virtuoso, vai servir para pagar salários, comprar mercadorias. E, já agora, se de vez em quando não faço uma pequena extravagância, qualquer dia chamam-me monge, ou coisa do género!
V.: Bom, voltando ao seu poder, há reflexos disso, por exemplo, no impacto ou no peso que têm as coisas que diz.
B.A.: Têm peso também porque eu tenho muito cuidado em não dizer tolices. Posso ser incómodo, dizer as coisas de uma forma um bocado brutal, poderia ser mais redondo nas minhas afirmações. É, porém, a minha maneira de ser, directa, frontal.
V.: O que é uma qualidade, não um defeito…
B.A.: … Pelo menos uma característica. Mas muita gente acha que é um defeito, que devido às minhas responsabilidades devia bater a bola mais baixinho…
V.: Só que, como jogou futebol e andebol, e agora pratica squash, não bate…
B.A.: É (risos).
V.: A taxa de crescimento da Sonae tem sido da ordem dos 30% ano, o que creio ser excepcional, mesmo a nível internacional.
B.A.: Verdadeiramente excepcional, sobre- tudo atendendo à dimensão que já temos. Desde 1985/1986 que se verifica esse crescimento, o que só é possível devido ao facto de termos diversificado negócios e mercados, termos alargado a nossa geografia para o Brasil, a Europa Central, etc. Nos negócios principais que temos em Portugal, como a distribuição, praticamente saturamos o mercado.
V.: Portugal já é demasiado pequeno para a Sonae?
B.A.: Portugal já é muito pequeno para a Sonae.
V.: E quanto às taxas de rentabilidade?
B.A.: Este último ano foi mau. Mas nos anteriores o crescimento foi também da ordem dos 30 por cento.
V.: Quais as principais causas do pior resultado em 2000?
B.A.: Há várias. Estão a concentrar-se os investimentos (em acções) em Bolsas activas e com mais liquidez do que a portuguesa, que se está a tornar muito pequena. Caminha-se para uma ou duas bolsas, nos EUA e na UE. Não há transacções significativas. Os grandes Fundos, quando investem um bocado em Portugal e resolvem mudar, vendendo as acções de uma empresa qualquer, fazem ou podem fazer as cotações descer 5 ou 6 por cento. Temos de ter mercados em que a liquidez seja muito mais elevada do que é entre nós.
V.: Hoje já tem tantos ou mais negócios no estrangeiro do que em Portugal.
B.A.: O ano passado foi praticamente metade-metade pelo peso da distribuição em Portugal. Este ano, talvez seja já cerca de 51% no estrangeiro. Mas, por exemplo, da actividade industrial, já muito grande, só 6 ou 7% é em Portugal. Por isso, esses problemas que se levantam, muda de sede não muda de sede, são um disparate. Exercemos actividade em tantos países, que pode fazer sentido ter aí a sede de algumas empresas. Mas não é o caso neste momento.
V.: Por maiores que sejam os grupos, pretendem sempre crescer mais e aumentar a rentabilidade. O limite é o céu?
B.A.: O crescimento tem de ser balanceado. Nós, para crescermos, precisamos de recursos humanos. E esse é já o nosso bem mais escasso, apesar de formarmos muitos e bons quadros. Outro problema é o financeiro. Sou um risk-taker, mas já cá ando há muitos anos e sei como é: os bancos só emprestam dinheiro quando têm a certeza de não correr riscos. Ao primeiro sinal de as coisas estarem tremidas, de bestial passa-se fácil e rapidamente a besta… O crescimento faz-se com oportunidades, recursos humanos e recursos financeiros.
De vez em quando pode esticar-se o balanço, mas nunca abusando.
Enfim, não interessa crescer por crescer, o crescimento tem de ser consciente: fazer produtos novos com gente nova, ganhar dinheiro, não andar para trás. Além da frustração pessoal que seria se isto acontecesse, o grupo Sonae já tem 60 mil trabalhadores e eu sinto fortemente a responsabilidade não só de lhes pagar os salários como de lhes dar condições satisfatórias de trabalho. Para além de pagar a fornecedores, os impostos ao Estado e os dividendos aos accionistas.
V.: Quando toma decisões fá-lo apenas com base em dados económicos ou pensa em gente concreta, que trabalha para si?
B.A.: As nossas decisões têm de fazer sentido, dos pontos de vista micro e macroeconómico (muitos empresários sabem mais disso, e até de fiscalidade, do que muitos governantes, eles é que pensam que não). E têm de fazer sentido não só em relação a Portugal. Porque se eu tenho uma combinação micro-macro no Brasil melhor do que cá, invisto no Brasil, não invisto cá. O meu patriotismo não é parolo. O que o grupo Sonae está a fazer, ao chegar aos quatro cantos do mundo, é uma aventura que se pode considerar patriótica e que nunca foi feita entre nós com esta dimensão. Já operamos em três continentes e estamos a tomar as primeiras medidas para chegar à Ásia, o grande continente do futuro, que dentro de 50 anos deve ter cerca de metade da população mundial, que passará de seis para nove biliões de habitantes. Temos uma estratégia de globalização, que se iniciou em 1994. Passei muito tempo a estudá-la na UCLA (Universidade da Califórnia – Los Angeles).
V.: Que medidas são essas?
B.A.: A primeira coisa que fazemos é criar pequenas unidades, para diminuir o risco, que nos permitam, durante dois ou três anos, aprender o fundamental desses países: a cultura, a educação e os hábitos das pessoas, os valores da sociedade, as relações com os políticos. E temos de nos assegurar que não entramos em negócios corruptos.
V.: Por onde pensa começar?
B.A.: Pela Austrália, onde estive há três ou quatro anos, mas onde vários gestores do grupo estiveram o ano passado, e pela Coreia do Sul, são das melhores portas de entrada para o Sudeste Asiático. O resto depende das oportunidades. Gostaria também de fazer alguma coisa de muito interessante na África Austral. Já operamos na África do Sul e estamos muito empenhados em Moçambique (o meu filho Nuno tem ido lá estudar a situação, por interesse pessoal e da Fundação Portugal-África), creio que com a ajuda dos portugueses que estão, ou regressem, a Moçambique e a Angola, se poderá avançar.
V.: O que pensa da queda das tecnológicas? Não houve nesse domínio, sobretudo na Internet, muito bluff, para não dizer aldrabice?
B.A.: Criou-se a ideia de que, como acontece com as ciências da vida (genética, investigação farmacêutica), se faziam grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, os lucros vinham mais tarde. O fundamental seria garantir receitas futuras, ganhando de imediato o maior número possível de clientes, embora com muito prejuízo. Ora isto é muito bonito, mas leva ao que eu chamo o «vale dos caídos», se as receitas chegarem muito tarde.
V.: É o destino da «indústria das expectativas »…
B.A.: Sim, sim. Esse período de aquisição de clientes leva a cash-flows negativos. Num gráfico cash-flow/tempo pode haver cash-flows negativos durante vários anos. Se se fizer a representação gráfica com cash-flows negativos no eixo das ordenadas e número de ano no eixo das abcissas teremos um buraco financeiro que poderá quebrar a empresa.
V.: O que apareceram, nesse sector, foram jovens criativos.
B.A.: Estive há tempos em casa do Bill Gates, que comprava 200 pequenas empresas por ano e só ficava com umas dez. O que aproveitava era as pessoas capazes de substituir os que viraram burocratas e manter um constante «espírito empreendedor ». No mundo de hoje, quem fizer sempre mais do mesmo, embora melhor, fica irremediavelmente ultrapassado.
V.: A certa altura, antes da atribuição das licenças para os telemóveis de terceira geração (UMTS), o seu filho Paulo afirmou que se não ganhassem uma delas se ia embora do País? Foi uma forma de pressão? Alguma vez pensou que poderia não ganhar?
B.A.: Nunca pensei. Porque o concurso era, de certa maneira, desenhado num sen- tido em que nós não podíamos deixar de ser uma das empresas vencedoras. Mas a primeira vez que fomos aos telefones perdemos mal. É preciso ter uma «arte» especial para ganhar concursos: promete-se muito, depois pode não se cumprir, mas entretanto já se ganhou… Nós, na Sonae, só prometemos aquilo que sabemos poder cumprir (e cumprimos) rigorosamente. Quando o Paulo disse isso estava absolutamente seguro da solidez do nosso projecto e sabia que, a não ser por razões «anormais», não podíamos perder: ele e a mulher gostam muito de Portugal, não se queriam ir embora.
Por outro lado, nós só fazemos os investimentos indispensáveis. Neste momento, em relação aos UMTS, estamos a tentar convencer os outros é também a nossa costela ambiental a partilharmos todos as mesmas torres. Se não for assim, vai haver uma floresta de torres por todo o País, com emissores pouco estéticos e algumas caixas pouco elegantes.
V.: A parceria com a Impresa é para desenvolver? Admite o alargamento dessa experiência ou uma participação da Sonae no grupo?
B.A.: É um assunto em aberto. Criou-se uma grande empatia entre quem está a tratar dessas coisas, estamos a estudar outras formas de colaboração e queremos ir aproximando os dois grupos através de projectos novos. Depois do portal Casa Global, lançámos agora o Exit, para viagens.
V.: Em relação ao Público, houve uma altura em que pareceu interessado em vendê-lo. Isso está, agora, fora de causa?
B.A.: Olhe, a Sonae tem, de vez em quando, de fazer umas coisas que não têm relação directa com a rentabilidade. E entendi, há dez anos, que fazia falta um diário de referência, que dignificasse o jornalismo, com meios, qualidade e independência era um bom contributo para a sociedade portuguesa. O jornal nunca favoreceu a Sonae, nunca interferi na sua linha editorial, sempre me distanciei dele, se não estava lixado. Ao terceiro ano ganhámos dinheiro. Foi sucesso cedo de mais. Depois, houve um período de alguma euforia que esqueceu a indispensável consolidação e a necessidade de manter os lucros para garantir independência económica e, logo, liberdade editorial. Hoje, se o vendesse, o que não é minha intenção, seria um negócio muito rentável. Como se diz na minha terra, nasci de rabo para o ar (risos).
V.: Como vê a globalização e o facto de com ela estar a aumentar ainda mais o fosso entre países ricos e países pobres?
B.A.: A globalização faz aumentar a riqueza de tal modo, que esses países mais pobres já podiam estar bastante melhor. Primeiro, eles próprios podiam estar a crescer. Segundo, os países ricos têm obrigação de os ajudar no interesse também dos próprios países ricos, de que são mercados…
V.: Há uma espécie de princípio de vasos comunicantes…
B.A.: É isso. Mas o maior problema desses países pobres é a corrupção. Metade dos investimentos que aí se fazem (até das ajudas!), ficam pelo caminho. Por outro lado, a relação de troca piorou muito para eles: é ver, por exemplo, a evolução dos preços do petróleo e das bananas ou do açúcar, nas últimas décadas. E ao contrário do que acontece com os países que se juntam na OPEP, um autêntico cartel, os países pobres não são solidários entre si e nem sequer sabem ser «manhosos», concertando algumas medidas que lhes seriam úteis. É um grande problema, que na América Latina estará em vias de se resolver, mas que em África vai persistir por muito tempo.
V.: Como é que a Sonae lida, nesses países, com a corrupção?
B.A.: Não lidamos. Nenhuma empresa nossa pode entrar nesses esquemas. Se entrasse, alterava-se um valor fundamental do grupo.
V.: Dentro das várias áreas da Sonae, qual é aquela de que gosta mais?, ou não se permite o devaneio de qualquer preferência especial?
B.A.: Gosto sempre mais da próxima… Sou engenheiro, passei os primeiros 15 a 20 anos da minha vida ligado a empresas industriais e fui professor da Faculdade durante algum tempo. Depois, comecei por ocupar-me muito da distribuição. Com gente desse sector e da indústria, lançámo-nos nos centros comerciais, desenvolvendo grandes espaços, edifícios com uma dimensão e características antes inexistentes em Portugal. Mais tarde dediquei-me a telecomunicações e ao turismo.
V.: Como estão os projectos para Tróia?
B.A.: Estão a andar. Mas, porque foi um processo polémico, só queremos arrancar, só queremos dar com uma picareta no chão, depois de ter todas as autorizações assinadas, o que se espera aconteça até Junho. Estamos a fazer tudo com o maior cuidado, a tratar as coisas como se tivéssemos ovos nas mãos… Por exemplo: vamos utilizar pela primeira vez em Portugal uma metodologia, com sondagens via rádio, para ver onde há ou não há as ruínas românicas, que queremos preservar. E até já temos problemas, ao contrário, com os ecologistas: há duas torres, muito feias, que queríamos deitar abaixo, mas a dificuldade agora é que parece terem-se instalado lá duas colónias de morcegos, que gostariam de lá continuar…
V.: Voltando à área da distribuição: gorou-se a hipótese de compra da ou fusão com a Jerónimo Martins (JM)? E quanto às alegadas pretensões do Carrefour, da Wall-Wart …
B.A.: O processo da JM parou há mais de um ano, por duas razões. Primeiro, só podia avançar depois da JM resolver problemas com um sócio. Segundo, ficou-se com a ideia de que o Governo faria tais exigências para autorizar a fusão que poderia destruir valor em vez de o criar, e que isso lhe permitiria uma intervenção exagerada nos nossos negócios. Ora, se há coisas de que eu não gosto é de intervenção do Estado nas empresas privadas: já gere mal as suas, não se meta nas outras. O que o Estado deve é regular.
As grandes cadeias mundiais (Carrefour, Wall-Wart, Casino) estão, obviamente, interessadas no processo de consolidação. A nossa função tem sido ouvi-los mas sentimos que podemos resistir.
V.: Já fez um comunicado a esclarecer que a sede da Sonae Imobiliária (SI) não mudou para a Holanda, ao contrário do que foi noticiado, e a dar, pelo meio, outros recados…
B.A.: O que fizemos, de facto, foi só vender acções da SI a uma sociedade, na Holanda, por nós detida a cem por cento. A Sonae, neste momento, tem um problema: já não «cabe» dentro de Portugal, mesmo do ponto de vista económico. Isto é rigorosamente assim. Para o volume de negócios que fazemos, os plafonds dos bancos portugueses já são insuficientes. E a estratégia do grupo é socorrer-se cada vez mais dos mercados internacionais da dívida e das acções. Por isso, estamos apenas a resolver problemas económicos e financeiros e a fazê-lo não em nenhum paraíso «esquisito» mas num país da União Europeia (UE).
V.: E então a Reforma Fiscal, que parece ser agora o seu principal alvo?
B.A.: Nem se trata de uma reforma (a única reforma que se fez foi a do Miguel Cadilhe) é uma manta de retalhos cheia de disparates, a começar pela tributação das mais-valias. Não se percebe sequer porque é que o Estado mexeu no regime que lhes era aplicável: quem gere bem, vai continuar a poder evitá-las; o problema principal é para os particulares, os pequenos, que farão diminuir drasticamente o movimento da Bolsa, com péssimas consequências.
Por outro lado, as reformas não se fazem assim, não se passa de 0 ou 10% para 40%, é de país de Terceiro Mundo. No Primeiro Mundo as reformas são previsíveis, isso faz parte da perfeição do sistema veja-se o que se passa com a alteração das taxas de juro pelo FED, nos EUA, em que a city «prevê» os acertos de 0,25 ou 0,50. E o mesmo acontece no Banco Central Europeu. De facto, estamos não perante uma reforma mas uns simples arranjos, outro queijo qualquer…
V.: A Sonae tem tido problemas fiscais?
B.A.: A Sonae cumpre rigorosamente as suas obrigações fiscais: anda sempre a fiscalização aqui em casa, às vezes são uns 20, isto parece uma repartição de Finanças. Mas os únicos casos que temos são fundamentalmente de diferentes interpretações da lei, que se resolvem nos tribunais.
V.: O que entende que uma, na sua perspectiva, «verdadeira» Reforma Fiscal devia contemplar?
B.A.: Olhe, desde logo acabar com a sisa, que o próprio primeiro-ministro já disse que era o mais estúpido dos impostos. Com o IVA nos materiais de construção e nas transacções imobiliárias os promotores teriam de entrar na legalidade e pagariam IRC que mais do que compensava as eventuais perdas.
V.: E a Reforma Administrativa?
B.A.: Devia acabar a concentração do funcionalismo em Lisboa e no Porto: por exemplo, a maioria dos 13 ou 14 mil funcionários do Ministério da Agricultura estão no Terreiro do Paço, em vez de estarem onde são precisos. E devia descentralizar, dar mais competência às autarquias. Portugal ainda é muito napoleónico, muito macrocéfalo, com 92 ou 93% do Orçamento gerido em Lisboa, enquanto logo aqui em Espanha o poder central só gere 53 ou 54 por cento.
V.: Na carta do dr. Cunhal ao Congresso do PCP, o senhor, pela primeira vez, substituiu Champalimaud na «tríade» dos capitalistas exploradores, ele referiu-se a «os Melos, os Espírito Santo e os Belmiros». Que lhe parece?
B.A.: Acho que foi um erro de casting. Tenho muito respeito pelo que fizeram, sobretudo os Melos, porque criaram uma verdadeira escola de gestores, mas eu não tenho nada a ver com eles. Sem estar para aqui a insinuar que eu é que sou um «gajo porreiro», eles formaram grupos em regime de benesses decorren- tes do condicionamento industrial: para fazer uma siderurgia era preciso ter alvará, cimentos a mesma coisa, adubos igual, etc. Ora a posição da Sonae foi toda conquistada no mercado, sem benesses, pelo contrário.
V.: Voltando a Álvaro Cunhal…
B.A.: Fica-lhe muito mal incluir entre os «maus da fita» o maior criador de emprego de Portugal. Se eu quisesse brincar diria que nós já temos mais trabalhadores na Sonae do que o PCP tem militantes e, qualquer dia, votantes… Aliás, os comunistas não nos costumam atacar, porque sabem as condições que damos aos nossos trabalhadores, sabem que somos criadores de riqueza e emprego, enquanto o PCP paga mal e já destruiu emprego.
V.: O senhor é, às vezes, apresentado como o grande empresário ou capitalista «feito» pelo 25 de Abril, porque os outros já vêm de trás.
É assim?
B.A.: Em 1975 eu era gestor e professor, vivendo exclusivamente do meu salário (comecei em 1965, a ganhar 6 500$00 por mês). Foi só em 1980 e tal que eu passei a ter uma posição accionista. Para mim nunca houve grande diferença em tê-la ou não porque eu fui sempre, sobretudo, um gestor desta casa. Sou capitalista por acidente e, se quiser, sorte. Porque quando o sr. Pinto de Magalhães regressou do Brasil (eu tinha ficado aqui, como «feitor» a tomar conta da «quinta» deles), eu quis voltar à Universidade. Como ainda estavam bastante assustados e eu lhes tinha tratado bem dos negócios, ofereceram-me 20% das acções, a um preço simbólico. Eu comprei, com um financiamento do Lloyds Bank, e depois fui comprando mais, com o «pêlo do cão», como se costuma dizer.
V.: E ganhou-lhe o gosto…
B.A.: Posso revelar-lhe que até hoje nunca dormi mal por as acções da Sonae subirem ou descerem. Não devia dizê-lo, mas estou-me um bocado nas tintas. Sou completamente diferente: por educação, por formação, por comportamento, a minha relação fundamental com a Sonae é a de gestor. Gostaria que as acções da Sonae valessem mais, como é óbvio, mas sobretudo por causa dos pequenos accionistas.
V.: Que protestam, quando as coisas correm mal?
B.A.: Os accionistas da Sonae fizerem excelentes mais-valias, durante muito tempo. Agora, alguns mais impacientes escrevem para aí, a dizer que estão a perder dinheiro. Estejam calmos.
V.: Vamos então à sua afirmação mais polémica dos últimos meses: «Este Governo chegou ao fim do prazo de validade». Porquê? Mantém o que disse?
B.A.: Nós somos humanos. Eu podia ter dito isso de outra maneira, mais suave… Mas mantenho totalmente: há maus ministros, más decisões, inflação a subir, pouca ordem e segurança. Eu disse isso aquando da remodelação ministerial, num dia em que tivemos, pela comunicação social, quatro ministros da Economia. Ora, uma remodelação deve ser uma coisa séria, não se apanha um ministro ali na rua, à esquina. Então, eu pensei: para mim, este Governo acabou. E, como a minha mulher é farmacêutica, fui influenciado pela linguagem da farmácia…
V.: Neste momento qual é então a sua posição em relação ao Governo e a António Guterres?
B.A.: Eu tinha muita consideração pelo eng.º António Guterres, desde o seu tempo de quadro do IPE (Instituto de Participações do Estado). Considerava-o uma pessoa extraordinária, mesmo como político. Mas há uma altura… Olhe, com Cavaco Silva tive uma relação muito próxima e de grande apreço, tendo-o apoiado durante seis anos. Depois passou-se qualquer coisa, ele pôs na rua três ou quatro ministros de categoria sem lhes dar cavaco Eurico de Melo, Miguel Cadilhe, Álvaro Barreto e nos últimos quatro anos mantive uma atitude de distanciamento crítico.
Bem, com António Guterres foram cinco anos. Passámos tardes a discutir coisas como a política florestal. Agora, acho que perdeu muitas qualidades. Não lidera, não controla o Governo, não decide, ou dá muitas explicações, tem sempre uma resposta enrolada para qualquer questão. Começa a esticar demasiado a corda ao fazer acordos como os que levaram à aprovação do Orçamento e da Reforma Fiscal. E não tem, quanto a mim, respeito por pessoas competentes, que fizeram coisas por este país.
V.: Dê-me um exemplo.
B.A.: Ter deixado cair o dr. Artur Santos Silva, como comissário do Porto 2001, em favor do dr. Manuel Maria Carrilho. Nem consigo imaginar como uma pessoa com o seu maquiavelismo, os seus valores e o seu comportamento pôde ser ministro! E o eng.º Guterres arrumou o dr. Santos Silva, que era a cabeça do Porto 2001, por causa desse senhor que agora está a «pagar-lhe»…
V.: Entende, portanto, mesmo como empresário, que era melhor ter havido eleições antecipadas do que aprovação do Orçamento?
B.A.: Entendo. António Guterres entrou numa de se agarrar ao poder e devia passar por um novo teste eleitoral para mostrar que ainda merece governar este país. Além disso, as eleições poderiam permitir clarificar o poder dentro do PS e do PSD. O único problema é que em Portugal demora-se muito a fazer eleições.
V.: E o que pensa de Durão Barroso?
B.A.: Já lho disse: tenho apreço por ele, acho-o sério (não é o prof. Marcelo) e trabalhador. Cometeu, porém, um erro grave: manter o partido como estava. E mal assumiu a liderança já tinha dois ou três candidatos a disputá-la. Devia então ter partido a loiça ou batido com a porta. Seja como for, melhorou, está a recuperar, corre até o risco de ganhar as próximas eleições. Embora mais por demérito de Guterres do que por mérito próprio.
V.: Disse de Marques Mendes, uma vez, que na Sonae nem dava para porteiro, porque demorava demasiado tempo a explicar como se entra. E o Jorge Coelho, com quem teve a sua mais recente polémica, para que dava?
B.A.: Esse (riso) sempre é mais despachado, franco e corajoso. Não me faça dizer mais nada…
V.: Afinal, o que é ideologicamente o senhor: um conservador, um liberal, ultra ou não, um social-democrata, o quê?
B.A.: Sempre fui um rebelde e tive muito respeito pelos que vivem mal. Sou muito empreendedor e a minha filosofia é tirar o máximo do sistema capitalista, que é o que gera mais riqueza e dá mais liberdade às pessoas, até para serem criativas, e dividir ao máximo essa riqueza, pagando os melhores salários possíveis ao maior número possível de pessoas. Não gosto dessa ideia de solidariedade, no sentido de dar, para resolver um problema imediato. Gosto de criar emprego, para dignificar a pessoa humana.
V.: Em síntese, define-se como?
B.A.: Um liberal com preocupações sociais; ou um social-democrata moderno.
V.: Com as ideias e o dinheiro que tem, aliados à apetência pela intervenção directa que amiúde mostra, vai resistir a «entrar» na política?
B.A.: Vou resistir.
V.: Tem a certeza?
B.A.: Tenho praticamente a certeza. Primeiro, faço muito melhor o que faço do que faria política. Segundo, gosto de decidir depressa, e na administração pública portuguesa as coisas não andam, demoram imenso: ao contrário do que acontece noutros países, parece que está feita para emperrar, o que impõe uma rápida e profunda reforma do sistema, para que bons políticos, com peso específico, decidam.
V.: Não tomou nenhuma posição nestas eleições presidenciais…
B.A.: Nunca tomei, a única excepção foi ter dado uma entrevista em que disse que Mário Soares merecia ser Presidente.
V.: E Jorge Sampaio?
B.A.: Penso que, de uma forma geral, exerceu bem a sua magistratura, como Presidente da República. Acusaram-no de ter sido pouco crítico em relação ao Governo, mas não é essa a minha leitura. Da minha própria experiência, posso dizer que até o vi incentivar as opiniões diferentes e as críticas positivas. Ao agradecer-lhe as Boas-Festas que me mandou disse-lhe que o que mais o devia preocupar era garantir a sua saúde. Pressupõe-se, portanto, que entendo que, com ele, o resto está garantido.
V.: O senhor é tido como um «duro». Por detrás dessa aparência (ou dessa máscara?) não há um homem diferente, mesmo um sentimental?
B.A.: O que eu sou é muito introvertido. Penso muito e não sou adepto das decisões por consenso embora na Sonae haja cada vez mais decisões que não passam por mim, temos pessoas muito competentes em todas as áreas. Mas quando é necessário, quando há impasses, eu resolvo, rapidamente, doa a quem doer. Do que me acusam é de ser parco nas palmadinhas nas costas…
V.: … e não só. É verdade?
B.A.: Não. O que entendo é que fazer bem feito é a nossa obrigação. Só bato palmas ao que é excepcional. E, de facto, as coisas mal feitas incomodam-me: aí fico irritado.
V.: Deve considerar abomináveis os que passam a vida em acontecimentos sociais, alguns deles «falsos ricos»…
B.A.: Não posso dizer isso, se não chamam-me pretencioso. Se as pessoas gostam, não acho mal, nem tenho que achar.
Eu não vou a essas coisas porque não gosto, tenho outras coisas mais úteis e interessentes para fazer. Sou muito sociável, mas nada «social».
V.: Bom, voltando atrás, é ou não um sentimental, um romântico?
B.A.: Eu acho que sou romântico, emociono-me muitas vezes, até choro. Acredito no «erro de Descartes», de que fala António Damásio: tomo mais decisões com base na emoção do que na razão. E creio que na vida moderna, mesmo nas empresas, ela é cada vez mais importante: se o não fosse, éramos decisores todos iguais. É certo que há factores objectivos, a razão é cada vez mais estruturada: mas nas decisões em que é necessário assumir mais riscos, sempre que apanho um espaço uso a emoção. O feeling, a intuição, uma certa leitura que faço do rosto das pessoas, os meus sentimentos mais íntimos, são fundamentais para o que decido e para o modo como actuo.
Sobretudo em relação às pessoas.
V.: Então, disfarça?
B.A.: Talvez me esconda e isso não se note. Tenho a cara um bocado vincada, marcada, de Mete-Medo [referência ao boneco da Contra-Informação, na qual é chamado assim], mas eu não meto medo a ninguém. Se me vissem a brincar com os meus netos, eles por cima de mim, a rebolarmo-nos na areia, divertimo-nos e rimonos à brava. É uma questão de ambiente.
V.: Mas aqui na empresa…
B.A.: Mesmo aqui, durante as discussões internas, às vezes rimo-nos à gargalhada. Para já não falar de outras situações. Olhe: às vezes tenho umas jantaradas com uns amigos muito divertidas. E outro dia, num deles, com antigos colegas meus, com quem joguei andebol, até ovos atirámos uns aos outros. Parecíamos uns rapazinhos…
V.: Na empresa, no entanto, é temido.
B.A.: Acho que sou respeitado. Tenho sempre a porta aberta para quem queira falar comigo sobre um assunto que valha a pena. Trato todas as pessoas, todos os trabalhadores, de igual para igual. Sou um deles. E não tenho inimigos. Posso chatear os políticos, e eles chatearem-se comigo, mas julgo que não tenho inimigos.
V.: Bom, mas parece-me óbvio que estar aqui a trabalhar, fazer novas empresas e realizar novos «negócios», é o que lhe dá mais gozo e vai continuar assim..
B.A.: Sim, é verdade. Gosto disto, trabalho muito, no fim-de-semana vou até ao Marco recarregar baterias. Costumo dizer aos que me são mais próximos que quando eu começar a dar sinais de senilidade têm obrigação de me avisar logo, porque os próprios costumam ser os últimos a notá-lo. A reforma obrigatória aos 65 anos é uma batota, deve ter sido inventada por razões de segurança social…
Doença, a batalha mais difícil
V.: O combate que travou contra a doença foi o mais difícil?
B.A.: O que aconteceu foi isto: eu tinha uma «úlcera calosa», que quase não dava sinais mas podia rebentar a qualquer momento, o que seria perigoso. Fiz uma biópsia e viu-se que ainda não havia nada de particularmente grave, mas podia estar a iniciar-se um processo complicado. O médico disse-me que isso só se resolvia com uma cirurgia. Não queria ser operado cá, por causa das especulações, e imediatamente fui saber de um «bom carniceiro» da especialidade, lá fora. E parti para Paris, tendo ido parar a um hospital público, o S. José lá do sítio. Tudo correu bem, mas depois surgiu uma complicação, uma pancreatite, daquelas que nunca se sabe como acaba. Foi um período muito difícil. Entretanto recuperei completamente, estou bom, já nem me lembro disso.
V.: Mas foi a pior batalha?
B.A.: Foi. E obviamente fiquei muito satisfeito por ter vencido essa luta, com o apoio da minha mulher e dos meus filhos. Posso revelar-lhe, no entanto, que eu tinha a minha vida toda organizada. É preciso estar sempre preparado para qualquer eventualidade, um acidente de viação um acidente vascular. Falamme muitas vezes do problema da minha sucessão. Não há problema nenhum. As coisas estão de tal modo organizadas, que só pode haver é candidatos a mais.Além disso as empresas são muito auto-suficientes.
‘A Porto 2001 podia ser muito melhor’
V.: O que espera do Porto 2001?
B.A.: Espero, ou melhor: desejo, que tenha muito êxito. Mas, embora sendo positivo, acho que podia ser muito melhor. Perdeu-se mais de um ano no arranque da organização. As obras estão muito atrasadas e a maioria teria de ser feita, de qualquer forma, pela Câmara. A programação tem algumas coisas boas, mas duvido que agarre as pessoas e crie novos públicos. Foi uma pena o que se passou: a governamentalização imposta pelo Carrilho, para fazer só o que queria, levando à saída do Artur Santos Silva, substituído por uma senhora que respeito, mas sabia pouco. Na requalificação urbana devia-se fazer, com a participação da sociedade civil, muito mais, como recuperar inteiramente a Ribeira. A Sonae disponibilizou-se para recuperar edifícios que estão abandonados, na Avenida dos Aliados, fazendo deles residências de estudantes, para dar vida ao centro da cidade.
V.: E quanto à Fundação de Serralves, a cuja criação esteve ligado?
B.A.: Vejo com muita alegria o facto da Teresa Patrício Gouveia assumir a sua presidência. É a única pessoa não do Porto, onde há muita gente capaz, que podia assumir esse cargo, pois foi a madrinha, se não a mãe, da fundação. Quis dizê-lo antes, mas ela não deixou ainda há pessoas neste país que me conseguem calar…
O que ganha e os impostos que paga
O salário anual de Belmiro de Azevedo foi, em 1999 (conforme declaração do IRS, a que a VISÃO teve acesso), de 95 785 483$00 brutos, dos quais foram retidos na fonte 26 711 760$00. Entre as deduções avultam a de 23 439 000$00 de donativos (Fundação Belmiro de Azevedo, apoios a obras sociais, etc.) e a de 501 227$00 de despesas de saúde. O engenheiro e a mulher, farmacêutica (3 900 000$00 de salário anual bruto), pagaram, afinal, 5 050 946$OO de IRS. Segundo nos declarou, este imposto «é ligeiramente inferior ao que pagaria em Espanha ou na Alemanha, e ligeiramente superior ao que pagaria no Reino Unido ou nos EUA». Belmiro de Azevedo ganha um pouco mais do que os «gestores de topo do grupo », sendo o seu vencimento fixado anualmente por uma comissão de personalidades independentes, atendendo aos resultados empresariais e aos valores de mercado. Ainda segundo o líder da Sonae, as suas empresas pagam dezenas de milhões de contos de IRC. O que não é o caso da sua holding pessoal, a qual não distribui dividendos, reinvestindo a totalidade dos lucros. Quanto aos pequenos investimentos de Belmiro são feitos «com as poupanças e alienações de pequenos lotes de acções».