Há uma aposta de médio e longo prazo de Angola em projetos industriais, agrícolas e pecuários. Mas os resultados desta política de diversificação da economia precisam de tempo, coisa que Angola não tem. O presidente da Câmara de Comércio e Industria Portugal-Angola (CCIPA), Paulo Varela, ex-quadro da Visabeira e que integra agora o departamento de distribuição internacional da Galp Energia respondeu, por escrito, a algumas questões da VISÃO.
Quais as maiores dificuldades sentidas pelas empresas portuguesas em Angola?
O acesso a divisas e o repatriamento de capitais, pois o ligeiro e recente aumento do preço do petróleo, embora tenha trazido sinais positivos e de algum otimismo, é insuficiente para gerar divisas em quantidade suficiente que permita a Angola satisfazer os compromissos assumidos. As empresas deparam-se, também, com dificuldades resultantes da própria escassez: importar é mais difícil, uma vez que o seu pagamento ocorre em função de uma lista de prioridades e seguindo as orientações do Banco Nacional de Angola. Bens alimentares, medicamentos, produtos de saúde e bens e equipamentos para o setor petrolífero são as prioridades. Também os trabalhadores expatriados têm grandes dificuldades em transferir os salários para os respetivos países de origem, fazendo-o com grandes atrasos temporais.
De destacar que quando se fala em divisas, é de euros que se trata. Após a suspensão da venda de dólares norte-americanos a Angola por parte da Reserva Federal Norte-Americana e dos seus correspondentes no estrangeiro, em novembro de 2015, desde março de 2016 que o Banco Nacional de Angola apenas vende euros à banca, sendo as operações de invisíveis correntes realizadas nesta moeda.
A China pode vir a ser o parceiro principal, na construção, por exemplo?
A China é o principal parceiro de Angola em financiamentos externos orientados para a construção e reabilitação de infraestruturas: barragens, estradas, pontes, caminhos-de-ferro, aeroportos, a habitação nas novas centralidades. Ou seja, nas obras públicas, uma vez que o crédito é celebrado e concedido numa perspetiva Estado a Estado. Contudo, a linha de crédito da China para Angola subentende a reserva de uma ampla percentagem dos trabalhos a realizar para a esfera das empresas chinesas, sendo o restante (30%) atribuído a empresas angolanas, isto é, maioritariamente detidas por cidadãos ou outras empresas angolanas. Em termos comerciais, Portugal é o principal fornecedor de mercadorias a Angola, tendo suplantado a China nessa posição no 2º semestre de 2016, por força da forte quebra registada, também, nas relações económicas sino-angolanas.
Que balanço faz das relações comerciais entre Portugal e Angola?
Têm evoluído, paralelamente à situação económica, cambial e financeira dos dois mercados e ao impacto das crises de ambos. Não seguem, por isso, um caminho linear. Depois da crise vivida em Portugal, entre 2011 e 2015, sobreveio, de 2014 a 2016, uma crise cambial e financeira em Angola, causada pela forte quebra do preço do petróleo nos mercados internacionais. Isto levou à redução acentuada das receitas públicas e à escassez de divisas, situações particularmente graves num país grandemente dependente das importações. A impossibilidade de liquidar, em tempo útil, as faturas dos fornecimentos provenientes do exterior, provocou problemas de tesouraria a muitos exportadores, levando-os a desistirem de fornecer o mercado: das 9.438 empresas portuguesas exportadoras para Angola em 2014, restavam 5.523 em 2016, 2.749 das quais tinham este mercado africano como destino exclusivo das suas exportações. Estando a causa identificada, acreditamos que logo que a economia angolana comece a dar sinais de recuperação, as empresas portuguesas estarão disponíveis para voltar a encarar Angola como um destino de eleição para os seus produtos.
O que mudou com a crise em Angola?
A diversificação das atividades económicas, que sucedeu da política de substituição das importações por produtos obtidos localmente, em 2008-2009; e as regras de compliance, que levaram o Grupo de Acção Financeira Internacional [GAFI, na sigla inglesa, um organismo intergovernamental que desenvolve políticas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo] a reconhecer o sistema financeiro angolano como um modelo a seguir. Retirou-o da lista cinzenta em que se encontrava, por alegada falta de cumprimento do papel de regulador do banco central angolano. Também instituições como o FMI e Banco Mundial, por exemplo, vêm reconhecendo a oportunidade das medidas tomadas na transformação de uma economia assente num único produto de exportação numa economia estruturada, assente em vários pilares, que tenha a produção nacional fora do setor petrolífero na sua base.
Está a resultar? Que perspetivas para o futuro?
Para que tudo isto produza resultados são necessárias duas coisas: tempo e uma conjuntura internacional favorável. Ora, Angola não dispõe nem de um nem de outra. Os efeitos da crise são transversais a toda a economia e sociedade e, entre a industrialização do país e o colmatar das necessidades, não houve ainda tempo suficiente. Em termos internacionais, a subida ligeira em dezembro do preço do petróleo para 50 dólares o barril, e que se tem mantido, também não é suficiente para que Angola possa pagar os “atrasados”. Angola está a implementar os projetos considerados fundamentais no âmbito do Plano Nacional de Desenvolvimento e sustentados pelo Orçamento Geral do Estado; [precisa] de obter receitas fiscais e de exportação adicionais para liquidação oportuna dos fornecimentos internacionais; está a reduzir o endividamento, externo e interno, e, com ele, o rácio dívida pública/PIB; (terá de] assegurar a redução da taxa de inflação; estancar a desvalorização do Kwanza face ao dólar norte-americano, entre outros.
E continuará a produzir petróleo…
O país foi, na maior parte do ano de 2016 e em janeiro de 2017, o maior produtor africano de petróleo, aspeto que pesa muito positivamente na tomada de decisões por parte dos investidores estrangeiros. Embora as Nações Unidas indiquem que o investimento direto estrangeiro em Angola caiu, em 2016, para metade do valor de 2015, o Financial Times, continuou a integrar Angola nos dez principais destinos desse investimento para o continente africano. A presente crise tem origem na quebra do seu preço nos mercados internacionais, a par de uma produção não petrolífera incipiente e da importação da maior parte dos produtos consumidos internamente, desde matérias-primas e subsidiárias a produtos finais e serviços.
As medidas que estão a ser tomadas para compensar a quebra nas receitas de exportação e fiscais oriundas do setor petrolífero, não têm efeito de um dia para o outro: os projetos industriais, agrícolas e pecuários, ao contrário do comércio, levam tempo a implementar, a produzir resultados e os investimentos são amortizados mais lentamente. A aposta nestas áreas é, então, de médio e longo prazo.
Que outros setores estão a ser desenvolvidos?
Angola continuará a apostar na diversificação da economia e na redução da sua dependência face ao exterior, independentemente do aumento do preço do petróleo. Há aspetos que nos permitem acreditar nisso. Como o crescimento da produção agrícola e a exportação de diversos produtos para países limítrofes de Angola e de frutícolas e café para a Europa; as linhas de crédito criadas pela banca comercial para apoiar o investimento nos setores primário e secundário; os benefícios fiscais e as isenções aduaneiras concedidas pela legislação em vigor; o estabelecimento e a implementação de diversos protocolos de cooperação entre Angola e diversos dos seus parceiros visando o desenvolvimento dos setores não petrolíferos; a obtenção de financiamentos que viabilizam a reabilitação e a construção de infraestruturas básicas ao bem-estar da população e à consolidação do processo empresarial, por exemplo, as centrais hidroelétricas, cuja entrada em funcionamento, um pouco por todo o país, assegurará a produção e a distribuição regular de energia elétrica e de água, sem as quais a atividade industrial não é viável.
O preço do petróleo vai aumentar?
Segundo os especialistas, é pouco provável que este aumento ocorra, a curto prazo. Provavelmente, continuará a aumentar lentamente, muito por força do acordo alcançado no seio da OPEP, à qual Angola pertence. Poderá atingir 60,00 dólares o barril, mas não muito mais do que isso. O que significa que, para os países produtores e exportadores de crude, a redução nas receitas provenientes desta matéria-prima poderá tornar-se crónica, tornando ainda mais imperiosa a diversificação da economia.