Há já algum tempo que pensava tornar-se empreendedor.
Paulo, designer gráfico, criou um objeto de decoração, deu-lhe um nome, desenhou o logótipo e, em meados de 2016, dirigiu-se ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), um organismo público, para registar a marca e a patente. Pagou as taxas exigidas, no valor de pouco mais de cem euros, e ficou a aguardar pelos registos definitivos.
No final do ano passado, Fátima dirigiu-se ao INPI para registar a marca de um novo colégio, na Grande Lisboa, e renovar a da creche de que já era proprietária.
Como Paulo, pagou as taxas em vigor e ficou à espera do registo definitivo.
A surpresa de ambos não podia ser maior quando, semanas depois, chegaram pelo correio faturas para pagar, a título de “registo da marca”, com valores superiores a um milhar de euros.
Paulo e Fátima não ficaram convencidos.
No INPI, ninguém os tinha alertado para quaisquer pagamentos adicionais.
As cartas, a que a VISÃO teve acesso, têm o aspeto de uma fatura, contêm o número do pedido de registo das marcas, reproduzem os logótipos e o nome e a morada dos requerentes. Apesar de terem remetentes diferentes uma foi enviada pela Trademark Publication Register e outra pela European Trademark & Patent Publications, são ambas provenientes da Polónia, estão redigidas em inglês, e apresentam códigos de contas bancárias (IBAN) de uma instituição financeira polaca. As quantias a pagar, num prazo de dez dias, são, num caso, de 1 496 euros e, no outro, de 1 370 euros.
No rodapé, em letras muito pequenas, o objetivo das cartas-fatura torna-se mais claro: “Este formulário não é uma fatura. É uma proposta de registo anual da sua marca no nosso banco de dados da internet”. E ainda: “Esta proposta torna-se um contrato vinculativo com o pagamento da quantia indicada”.
Paulo e Fátima não quiseram saber mais. Contactaram o INPI que os remeteu para um aviso publicado na sua página de internet, alertando contra os pedidos de “pagamentos indevidos” solicitados por estas empresas, algumas das quais atuam a partir de outros países da Europa e nem sequer têm escritório em Portugal. Será uma burla? Uma fraude? Será mesmo um caso de polícia?
ALERTAS NA INTERNET
Uma leitura menos atenta das cartas pode levar qualquer um a pagar os valores exigidos, julgando que fazem parte do processo de registo das marcas.
A presidente do INPI, Maria Leonor Trindade, afirmou, numa resposta escrita à VISÃO, que estas missivas “têm induzido alguns requerentes numa interpretação errónea sobre o tipo de serviços que estão a adquirir, levando-os a pensar que, através desse pagamento, estão a regularizar alguma solicitação do INPI”.
“Esta é uma prática que se regista há vários anos em Portugal”, esclareceu aquela responsável, adiantando que o INPI apresentou já diversas queixas-crime à Polícia Judiciária e ao Ministério Público. Umas investigações terão sido arquivadas e outras estarão ainda em curso, mas o Ministério Público não esclareceu, em tempo útil, se já houve alguma acusação.
Mas, afinal, como é que estas empresas acedem aos nomes e moradas de quem regista uma das mais de 20 mil marcas que todos os anos nascem em Portugal? Por lei, os pedidos têm que ser publicados no Boletim da Propriedade Industrial, em formato digital, havendo um prazo de dois meses para a reclamação de terceiros, caso exista já uma marca igual ou semelhante em produtos ou atividades idênticos. Para evitar práticas, no mínimo, abusivas, o INPI deixou de publicar no boletim as moradas dos requerentes, embora essa informação esteja disponível como reconhece o organismo nas bases de dados das marcas, patentes e design do seu serviço online.
Para evitar que os empreendedores mais desatentos caiam no engano, o INPI também publica alertas, com regularidade, na sua página de internet, reproduzindo algumas das cartas-faturas em circulação. E presta apoio através do atendimento telefónico e presencial.
“Dentro das condições impostas pelo Código da Propriedade Industrial, o INPI tem vindo a fazer tudo o que está ao seu alcance para que a informação que está na origem deste tipo de correspondência não esteja publicamente acessível”, mas a sua presidente reconhece a existência de “constrangimentos legais e técnicos” que não permitem fazer mais.
Apesar dos avisos, o envio destas cartas-fatura aumentou nos dois últimos anos (ver dados nestas páginas), em Portugal e em muitos outros países. Em preparação, está um programa conjunto para combater eventuais atividades fraudulentas a nível internacional.
PRÁTICAS (I)LÍCITAS
É o próprio INPI a esclarecer que a abordagem de algumas destas empresas “não constitui uma prática ilícita”, mas mesmo assim “suscita pedidos de esclarecimento” junto do organismo.
O texto das cartas (quando existe) é tão confuso que os destinatários procuram o INPI para perceberem se estão perante uma proposta comercial, não solicitada, ou um pagamento de uma taxa obrigatória.
Nestes casos, o INPI dirige-se às empresas pedindo-lhes para “alterarem a forma como se dirigem aos utilizadores da propriedade industrial”.
Até ao final de 2015, a situação mais reportada ao INPI era a oferta de serviços de publicidade e de inserção em diretórios empresariais, por entidades como o Registo Central de Marcas e Patentes, Trademark Publisher, Mediaworks, Guia Telefax Anuário Profissional, Livebrand, etc. Também surgiam empresas propondo-se intermediar o registo de marcas, como a TPR, ITR, etc. Outras, como a IPTI International Patents & Trademarks Index, IPTO International Patents & Trademark Organization, IPSAAVE S.R.O. e IPWTO S.R.O., surgiram mais tarde e oferecem o registo internacional de patentes. São quase todas oriundas do Leste europeu.
Mas, com o tempo, a abordagem tornou-se mais “rebuscada”. Desde o final do ano passado, uma nova entidade o Registo Central de Empresas e Propriedade Industrial faz referência direta ao INPI, à sua morada e lei orgânica e inclui todos os dados das marcas em causa.
Nas suas cartas-fatura, pode ler-se que a empresa está a realizar “um procedimento de registo”, sem mais detalhes.
É indicado um endereço de internet, que não existe, e um IBAN de uma conta bancária no estrangeiro. Os valores exigidos rondam os 500 euros. A direção do INPI mostra-se particularmente atenta à atuação desta empresa que, ao incluir dados com “bastante detalhe”, tem induzido “o requerente em erro”.
Se, ao registar um marca ou uma patente, receber uma destas cartas-fatura, e ainda tiver dúvidas depois de ler este texto, contacte o INPI ou consulte a página de internet. Vai ver que fica devidamente esclarecido.