“Acabaste de matar a troika”, terá dito um irritado Jeroen Dijsselbloem ao novo ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, cinco dias após a primeira vitória do Syriza nas eleições legislativas.
No início de 2015, a Grécia virava à esquerda radical e recusava uma extensão por seis meses do segundo plano de resgate europeu. Em Bruxelas, os 19 ministros das Finanças da zona euro não estavam preparados para acolher, nas suas reuniões, um economista informal decidido a rejeitar a doses maciças de austeridade impostas ao povo helénico e a exigir a renegociação da ajuda europeia. Decidiram então enviar o presidente do Eurogrupo a Atenas, para uma visita exploratória.
Claro que Jeroen Dijsselbloem e Varoufakis não se entenderam sobre o futuro da Grécia na zona euro. No final do encontro com a imprensa, um consternado Dijsselbloem saiu da sala quase sem se despedir do seu homólogo grego. A reação não passou ao lado dos operadores de imagem, que captaram e difundiram, por toda a Europa, a expressão de fúria no rosto do holandês e o sorriso de vitória na cara do grego.
O que se passou a seguir não foi dignificante. Yaroufakis durou cerca de seis meses no cargo de ministro das Finanças e, na saída, não poupou Dijsselbloem. Acusou o holandês de ser uma “marioneta” da Alemanha e de ser incapaz de tomar “uma decisão sem telefonar a Schäuble”.
Nestes quatro anos como presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem construiu uma imagem de tecnocrata disciplinador e castigador, quase sempre alinhado com as posições dos seus colegas do norte da Europa contra o sul endividado. Em julho do ano passado, depois de alertar contra os riscos que pairavam sobre a economia portuguesa, confessou-se “desiludido” quando a Comissão Europeia optou por não aplicar sanções a Portugal e Espanha por causa do défice orçamental. E fez questão de recordar ao ministro Mário Centeno os riscos existentes a médio prazo. “Não há espaço para complacência”, disse. “Tem de ficar claro que, apesar de todos os esforços, Espanha e Portugal continuam em perigo”.
Mas os cargos não são eternos.
Se as eleições holandesas de 15 de março decorrerem como as sondagens indicam, o Partido Trabalhista de Jeroen Dijsselbloem ficará fora do Governo e o economista, de 50 anos, poderá perder os seus dois empregos: o de ministro das Finanças da Holanda e o de presidente do Eurogrupo, cargo para o qual foi eleito em 2013 e reeleito, para um segundo mandato, em 2015.
Na hora da mais que provável saída do holandês, perfilam-se na corrida ao cargo o “repetente” ministro espanhol das Finanças, Luis de Guindos (que em 2015 recolheu o voto da representante portuguesa no Eurogrupo, Maria Luís de Albuquerque) e… o próprio Dijsselbloem.
“É da vontade de Dijsselbloem manter os dois cargos, o de ministro das Finanças e de presidente do Eurogrupo”, disse recentemente o porta-voz do Eurogrupo, Michel Reijns, citado pelo Politico. “O primeiro depende dos resultados das eleições holandesas. Quanto ao segundo, o mandato termina em janeiro de 2018 e ele gostaria de ficar até ao fim”.
Em Bruxelas, Jeroen Dijsselbloem é visto por alguns dos seus homólogos como o homem certo para presidir ao Eurogrupo, depois de ter gerido a crise da zona euro com cuidado e um certo equilíbrio. Mas as regras do Eurogrupo, um organismo informal de coordenação das políticas económicas, estabelecem que o presidente deve ser um dos seus membros, ou seja, um ministro das Finanças da zona euro em funções – o que, no caso de Dijsselbloem, pode estar perto de terminar.
Contudo, o holandês ainda tem hipótese de se manter no cargo por mais algum tempo. Caso os resultados das eleições holandesas inviabilizem a formação imediata de um novo governo, o atual continuará em funções durante mais algum tempo, permitindo a Dijsselbloem continuar no Eurogrupo.
Mas a jogada pode ser outra. Há já algum tempo que se discutem as vantagens de nomear de um presidente a tempo inteiro para o Eurogrupo, com a missão de concretizar uma maior integração da zona euro. Nesse cenário, o futuro titular do cargo teria de ser alguém totalmente disponível para as novas funções, e não um ministro das Finanças superocupado com os assuntos do seu País. É possível que esta ideia, que segundo fontes do Politico reúne “um amplo consenso”, venha a ser debatida na reunião do Eurogrupo de 20 de março, poucos dias depois das eleições holandesas.
O próprio Dijsselbloem defendeu, em outubro, em entrevista a um jornal holandês, que “as regras dizem que são os ministros das Finanças do Eurogrupo quem escolhe o presidente, mas não dizem que o escolhido tem de ser um deles”.
Com o caminho aberto para tentar manter-se no Eurogrupo, o holandês, membro do Partido Trabalhista, tem outro ponto a seu favor, agora que o tradicional equilíbrio político na Europa, entre esquerda e direita, ficou ameaçado com a saída do socialista alemão Martin Schultz do Parlamento Europeu e a sua substituição pelo italiano Antonio Tajani, um conservador.
Nos próximos 18 meses, a Europa vai escolher novos líderes para substituir os atuais responsáveis, em fim de mandato, de órgãos tão influentes como o Banco Central Europeu, o Banco Europeu de Investimento e o Mecanismo Europeu de Estabilidade.
“Precisamos de socialistas”, afirmou uma fonte europeia ao Politico. “Eles [os conservadores] têm ficado com os cargos todos em Bruxelas”.
Assim, outros nomes de esquerda podem entrar na corrida ao Eurogrupo, mas as desvantagens são maiores do que as vantagens. Tal como o holandês, o ministro francês das Finanças, Michel Sapin, pode não “sobreviver” às eleições de abril no seu País; o ministro de Malta também vai a votos em 2018 e, por último, o ministro da Eslováquia auto excluiu-se da corrida ao escrever no Twitter que Dijsselbloem “deve cumprir o mandato até ao fim, independentemente dos resultados [na Holanda]”.
O ministro italiano Pier Carlo Padoan é também um dos “presidenciáveis”, mas tem contra si o facto de haver demasiados transalpinos à frente de instituições europeias – Mario Draghi como presidente do BCE, Federica Mogherini como Alta Representante da UE para Política Externa e de Segurança e, mais recentemente, Antonio Tajani como presidente do Parlamento Europeu.
Eis porque a cor partidária de Dijsselbloem pode vir a revelar-se um trunfo contra o, até agora, único concorrente mais ou menos assumido para o cargo, Luis de Guindos, membro do governo conservador de centro direito de Espanha.