A Comissão Europeia lançou, esta semana, uma consulta pública que visa recolher, ao longo dos próximos três meses, contributos para definir novas regras do regime de registo de representantes dos grupos de interesses que tentam influenciar as decisões das instituições europeias. Ou seja, trata-se de obrigar os lóbis a cumprirem regras de transparência mais apertadas.
“Esta Comissão está a mudar a maneira de trabalhar aconselhando-se mais com os stakeholders [partes interessadas], abrindo-se mais quanto a com quem nos encontramos e para que propósitos”, declarou esta segunda-feira, 1, o vice-presidente do Executivo comunitário, Frans Timmermans.
Em causa estão melhorias ao atual registo de Registo de Transparência, que, na perspetiva de organizações da sociedade civil, ainda deixa muito a desejar, permitindo que continue a verificar-se um elevado grau de opacidade nas relações das instituições europeias com os grupos de interesses. Umna das ideias que estão em cima da mesa é tornar esse registo obrigatório para todas as instituições da UE.
A reforma do atual Registo de Transparência (voluntário) foi uma das 10 prioridades anunciadas pelo atual chefe do Executivo comunitário, Jean-Claude Junker, ao tomar posse em novembro de 2014. Quis, disse então, tornar a União mais transparente do que nunca.
O atual sistema, que já inclui, desde o ano passado, a obrigação de a Comissão publicar todas as suas reuniões com grupos de interesses, tem sido severamente criticado por organizações não governamentais como a Transparência Internacional (TI) e a Alter EU, dadas as suas deficiências. Segundo a TI, a informação nesse registo é, frequentemente, inexata ou está desatualizada. Aliás, a TI apresentou, em setembro do ano passado uma queixa, pelo facto de mais de metade das organizações de lóbi registadas em Bruxelas ter preenchido o registo com informação incorreta ou mesmo incompleta.
No sentido de intervirem no processo, aquelas duas associações da sociedade civil já vieram a terreiro difundir uma petição pública (pode ser consultada e subscrita AQUI) reclamando que todas as organizações de lobistas sejam obrigadas a registarem-se e vedando às não registadas o acesso aos comissários e membros dos seus gabinetes bem como aos paineis de peritos.
Outras medidas reclamadas são a obrigação de o registo abranger todas as instituições europeias, incluíndo o Conselho (não integrado no atual sistema voluntário); bem como a divulgação online das reuniões entre dirigentes políticos e os seus assessores com representantes dos grupos de pressão. Isso, além de um sistema de registos fiável, que seja monitorizado e penalize os lobistas que não cumpram as regras.
O lado obscuro dos lóbis
É um facto que os decisores políticos carecem da perícia técnica e dos inputs de inovação vindos de fora para se manterem informados e tomar as decisões mais adequadas. Contudo, é preciso que todos os setores da sociedade civil estejam representados. A realidade atual, denuncia a TI, com base nos dados da própria Comissão Europeia, é a de que 75% das reuniões de altos dirigentes da CE com os chamados lóbis são com grupos de interesses empresariais e industriais. Esse número revela uma diferença abissal em relação ao outros setores da sociedade civil como organizações não governamentais (17%), think tanks (4%) e órgãos autárquicos (2%).
Segundo um estudo da TI (clique para abrir o PDF), em dezembro do ano passado, havia 8.695 organizações de lóbi inscritas no Registo de Transparência da UE, dessas 5.428 procuravam influenciar as decisões políticas da União para beneficiar interesses empresariais.
O acesso destes lóbis setoriais aos decisores políticos, que redigem legislação e regulamentam, é tido como excessivo, já que uma das partes interessadas pode a moldar (por vezes até a co-redigir) desproporcionalmente a regulamentação a seu favor.
Uma verdadeira indústria
O caso do escândalo das emissões dos carros da Volkswagen é muitas vezes cidado como um exemplo de que o poder exagerado dos lobistas afeta até o ar que respiramos. A TI tem também denunciado que a pressão da indústria farmacêutica já levou medicamentos perigosos a manterem-se no mercado e que as indústrias do tabaco e das bebidas alcoólicas obtiveram importantes moratórias para restrições aos seus produtos.
O lóbi em Bruxelas converteu-se ele próprio numa grande indústria, que segundo a investigação da TI, movimentará € 1.500 milhões por ano. Mas esta estimativa poderá pecar por defeito, uma vez que nem todas as empresas e organizações, que ocupam só em Bruxelas cerca de 25 mil profissionais, aderiram ao registo voluntário.
A Google e a General Electric são as empresas mais influentes junto do executivo comunitário, com o qual reuniram, respetivamente, 54 e 35 vezes em 2015. E estão também entre as que mais abrem os cordões à bolsa, declarando orçamentos lobísticos de, respetivamente, 3,5 e 3,25 milhões de euros.
O ranking dos orçamentos para lóbi em Bruxelas é liderado pela Exxon Mobil, a Shell e a Microsoft, cujos orçamentos oscilam entre os € 4,5 milhões e os € 5 milhões (ver gáfico).
Com o novo sistema, a Comissão Europeia quer propor um acordo inter-institucional que vá além do atual registo voluntário. Para já, a comissão reivindica ter sido bem sucedida na sua própria reforma interna nesta matéria. Desde novembro de 2014 que a Comissão, indo ao encontro das reclamações da sociedade civil, adotou regras segundo as quais, comissários, membros de gabinete e diretores-gerais não aceitam reuniões com entidades não inscritas no Registo de Transparência, estando desde então a divulgar online a realização desses encontros. Um efeito dessa medida foi, segundo a Comissão, o aumento das organizações registadas de 7 020, em outubro de 2014, para as 9 286 na passada terça-feira, 1 de março.