As famílias com filhos poderão ser as grandes beneficiadas com o novo IRS, que entrará em vigor em 2015. Dentro de duas semanas, a proposta de lei de reforma do imposto sobre o rendimento chega ao Parlamento, quase em simultâneo com a proposta de Orçamento do Estado (OE). No dia 15, ficamos a saber com que dinheiro vamos viver no próximo ano.
Se a equipa das Finanças, liderada por Maria Luís Albuquerque, decidir passar a letra de lei o espírito da reforma desenhada pelo grupo de trabalho do fiscalista Rui Duarte Morais, além dos filhos, também os avós com pensões mínimas do regime geral (€259,4 mensais), desde que habitem debaixo do mesmo teto, serão incluídos no quociente familiar que serve de base ao cálculo do imposto a pagar. Embora o conteúdo final da proposta não fosse conhecido até ao fecho desta edição, na terça-feira, a inclusão dos ascendentes era já ponto assente.
Até agora, o rendimento do casal é dividido por dois para se determinar a taxa de imposto a aplicar, mas o que a comissão de reforma propõe é que os filhos e os ascendentes (avós) que integrem o agregado familiar passem a ser considerados neste cálculo, acrescentando-se uma ponderação de 0,3 (ou 0,15 em caso de declarações separadas) por descendente ou ascendente. O rendimento de um casal com dois filhos passará, assim, a ser dividido por 2,6. Se “adicionarmos” a essa família, por exemplo, uma avó a viver em regime de comunhão de habitação, o quociente sobe para 2,9.
O princípio de uma fiscalidade mais “amiga” das famílias – que os autores da reforma consideram como incentivadora da natalidade – parece agradar à equipa das Finanças, designadamente ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio. Por esclarecer, na proposta final, estava o regime a aplicar aos casais sem filhos. Quando da apresentação do anteprojeto, em julho, estavam destinados a pagar mais IRS no final de cada ano – algo para o qual o próprio secretário de Estado alertou, durante o período do debate público.
Mas, como vai o Governo conjugar o alívio da carga fiscal sobre os portugueses com a necessidade de cumprir as metas orçamentais? Ao fixar um limite máximo – nos 331 euros – para as despesas das famílias com saúde, educação ou habitação, não estará a tirar com uma mão o que quer dar com a outra? Como vai ser compensado o desvio na receita de IRS, estimada em 300 milhões de euros, resultante da adoção do quociente familiar?
Deduções fixas
A preocupação da comissão de reforma, segundo Rui Duarte Morais disse à VISÃO, foi a “afinação dos instrumentos” postos à disposição do Governo em matéria de tributação sobre as pessoas singulares. Do ponto de vista da receita, quer-se uma reforma neutra, deixando à equipa das Finanças a decisão de, com ela, recolher mais ou menos receita. Por isso, a comissão não mexeu nas taxas nem nos escalões do IRS.
Se o Governo quiser, a perda de receita com a introdução do quociente familiar pode ser compensada com as alterações nas deduções. É proposto que as deduções específicas se mantenham (exceto para os pensionistas, que podem tornar-se mais “amigáveis”), mas as deduções com despesas de saúde, habitação ou educação desaparecem e são substituídas por uma dedução única que, no máximo, deverá chegar a 331 euros. O valor a definir pelo Governo é crucial para perceber quem pagará mais ou menos imposto em 2015. Se for mais baixo do que o valor das despesas efetivamente realizadas pelo agregado familiar, o imposto a pagar aumenta, em vez de diminuir.
Tributação separada
“A minha esperança é que grande parte desta reforma proposta seja feita”, sublinha Tiago Caiado Guerreiro. É que, segundo o fiscalista, ela “visa essencialmente a desburocratização e a simplificação, criando um regime muitíssimo transparente”. “Vai tirar trabalho aos contabilistas e aos especialistas em fiscalidade”, avisa. Para as famílias, pode representar o fim da obrigatoriedade de somar e guardar as faturas.
Outra novidade (que o Governo pode ou não acolher) é a entrega de declarações separadas por parte de pessoas casadas (algo que atualmente é possível mas apenas nas uniões de facto). Com a tributação separada, e em regime de separação de bens, um cônjuge deixa de ser responsável pelas dívidas fiscais do outro. Mas convém fazer bem as contas, pois pode não compensar de todo entregar declarações separadas. Por exemplo, se o casal tiver rendimentos muito diferentes (em que um ganha bem menos do que o outro ou está desempregado), é mais vantajoso entregar o IRS em conjunto. Seja como for, a decisão caberá à família e não é imposta pela administração fiscal.
Mas a grande medida proposta pela comissão no sentido de desburocratizar a máquina fiscal prende-se com a existência de um valor fixo, para todos, das deduções à coleta. Aí, o pré-preenchimento das declarações, que hoje em dia já existe em parte (por exemplo, já vem com informação sobre os rendimentos do trabalho dependente ou os juros da compra da casa), será completo. O contribuinte só terá de dar o seu aval.
Dívidas e poupança
Uma das medidas propostas pela comissão tenta fazer face ao excessivo endividamento das famílias com a habitação. Assim, isenta do pagamento de imposto sobre as mais valias quem vender a sua casa e usar o dinheiro para pagar o empréstimo ao banco, total ou parcialmente. Atualmente, só está isento quem use o dinheiro para comprar uma nova habitação. A solução só será válida por cinco anos, até 2020. De um lado as dívidas, do outro as poupanças. Para a comissão, a dedução à coleta dos PPR (Plano Poupança Reforma) é para acabar. Em vez disso, é reduzido o imposto (taxa liberatória) dos depósitos a prazo a mais de cinco anos, bem como os títulos da dívida pública (certificados de aforro).
Vales Sociais
Uma das grandes revoluções que a proposta para a reforma do IRS deixa adivinhar prende-se com a questão do “cheque ensino”. Atualmente, as empresas podem liquidar uma parte do salário de um trabalhador com este vale, isento de IRS e de Segurança Social, que serve para pagar o pré-escolar a uma criança com menos de sete anos. A comissão quer alargar a idade dos filhos até aos 25 anos, ou seja, os vales poderão ser usados para pagar até as universidades. Embora exista uma vantagem imediata para os trabalhadores, é preciso ter em conta o efeito a longo prazo: o vale não faz parte do salário base, que é usado num cálculo para um eventual subsídio de doença ou parentalidade, e até mesmo no cálculo para a reforma.
Fiscalidade verde
A comissão para a reforma do IRS faz várias recomendações ao Governo e a primeira delas é a “extinção programada da sobretaxa”, caso este tenha margem para isso. Introduzida em 2013, a sobretaxa de 3,5% incide sobre o salário líquido, depois de descontado um valor equivalente ao salário mínimo nacional. No Governo, tem sido o CDS de Paulo Portas a fazer pressão para que a sobretaxa possa baixar já em 2015. Em cima da mesa está a possibilidade de a sobretaxa descer para os 2,5 por cento. Esta descida custaria aos cofres do Estado €220 milhões anuais. Uma parte desse dinheiro pode ser compensada com outros impostos agora reformados, da chamada fiscalidade verde, cuja receita estimada é de €165 milhões. A fiscalidade verde cria uma série de novas taxas ligadas ao ambiente, de um novo imposto sobre as emissões de dióxido de carbono a uma taxa para os sacos de plástico disponibilizados no supermercado. São novos custos para as empresas que, naturalmente, farão aumentar os preços, ou seja, no final, a fiscalidade verde vai sair do bolso dos consumidores.