Lançámos a pergunta: Portugal deve renegociar a dívida? Obtivemos as cinco diferentes opiniões que, a seguir, publicamos. Se é consensual que o montante que devemos (117,5% do Produto Interno Bruto, no segundo trimestre de 2012, o que corresponde a 198 mil milhões de euros) se revela avassalador, já será mais polémica uma das possíveis saídas para a situação: renegociar, tanto os prazos de pagamento como os juros. Aliás, se não fossem os juros que temos de pagar pelo que nos emprestaram, Portugal não teria défice. Numa altura em que a Grécia obteve condições mais vantajosas para saldar a sua dívida (mas terá também mais austeridade como contrapartida), a VISÃO dá a palavra aos especialistas.
Portugal deve renegociar a dívida? (Renegociar apenas os juros da dívida pode ser uma saída?)
Mohamed Azzim
Diretor da ISCTE Business School
Sim, uma vez que o incumprimento teria consequências graves e duradouras como no caso da Argentina. A renegociação, prolongando a maturidade da dívida, é certamente útil no curto prazo. No entanto, o serviço de dívida atual implica a geração de excedentes orçamentais significativos. Por este motivo, a reestruturação, nomeadamente através da troca das obrigações por novos títulos com maturidade mais longa e taxas de juro mais reduzidas, tornar-se-á imprescindível num contexto prolongado de recessão. Para ser bem-sucedida, a troca voluntária de dívida por parte dos credores terá que se realizar ao valor nominal ou de mercado da dívida (a severidade da recessão vai ditar a alternativa) e as novas obrigações terão de ser emitidas com uma garantia do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Com uma garantia supranacional, as taxas das novas operações seriam substancialmente mais reduzidas, viabilizando o serviço da dívida soberana portuguesa e permitindo a redução progressiva do seu montante.
Nuno de Sousa Pereira
Diretor da Porto Business School
Portugal não deve renegociar a dívida, porque tal repercutir-se-á nos custos futuros de emissões de dívida, a qual passará a ter um risco implícito substancialmente maior. Por outro lado, o montante de juros que Portugal hoje já paga, bem como as condições de financiamento solicitadas pelos mercados, são insustentáveis. O eventual regresso aos mercados só será parte da solução se for a taxas de juro bem mais baixas do que as atuais, o que exige a garantia de compra da dívida portuguesa por parte do Banco Central Europeu. É inconsequente alcançarmos um equilíbrio das contas externas e ter uma parte crescente de riqueza produzida a ser destinada ao pagamento da dívida.
José Reis
Diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
A renegociação da dívida parece-me ser uma necessidade urgente. A razão está na situação geral de asfixia da economia: a recessão acentua-se, a capacidade de geração de riqueza e de emprego por parte das empresas está fortemente abalada, a procura encontra-se fragilizada devido à convulsão dos rendimentos e das expectativas das pessoas. O fator central que está por detrás desta situação é a ausência de qualquer margem de manobra em matéria de política económica, visto que esta está inteiramente submetida a imperativos que resultam dos compromissos perante credores. Além dos impactos devastadores que a dependência financeira do País produz sobre a economia e a sociedade, acontece também que a dívida não é pagável com uma economia sem o mínimo de saúde. Teremos permanentemente uma economia a trabalhar para a dívida e, no entanto, a acumular cada vez mais dívida… Com efeito, está inteiramente demonstrado que as medidas tomadas se revelaram cumulativamente recessivas. A única rubrica da despesa pública suscetível de redução sem impactos negativos é a que tem a ver com as despesas da dívida. É um alívio desse custo que pode dar margem de manobra a uma política económica não recessiva. Além disso, convém não esquecer que parte da nossa dívida resulta da própria pressão dos credores quando inundaram os mercados de crédito fácil e que os custos associados à intermediação bancária são muito elevados. Fossem os juros da dívida pública os que o Banco Central Europeu cobra pelas suas ofertas de liquidez, e o quadro seria radicalmente diferente. Bastaria, também, que os juros, os prazos e a forma da dívida se assemelhassem àqueles de que a Alemanha dispôs para a sua reconstrução e Portugal não estaria no sufoco em que hoje está.
Francisco Veloso
Diretor da Católica Lisbon, School of Business & Economics
Portugal não deve renegociar a dívida nem no principal nem nos juros, neste momento. Uma renegociação, nesta altura, resolveria pouco no curto prazo e traria custos significativos de médio e longo prazo. Portugal entrou num programa de ajustamento fruto do encerramento dos mercados à nossa dívida pública. Os juros que Portugal paga sobre a dívida, no âmbito do programa de ajustamento, são mais baixos do que aqueles que o mercado estava a exigir antes do programa, mas certamente mais elevados do que o desejável. Mas nós só teremos a certeza de que Portugal estará num caminho sustentável quando formos capazes de regressar aos mercados, e estes nos exigirem taxas mais baixas do que as que a troika está a praticar. O programa de ajustamento, com os pesados sacrifícios que estão a ser pedidos às empresas e às famílias, foi desenhado para tentar este regresso ao mercado, o mais rapidamente possível. Pelo contrário, uma renegociação de dívida constitui uma negação das nossas responsabilidades face aos credores. Essa decisão deixaria os credores renitentes a conceder futuros empréstimos. Assim, é expectável que os custos de um prolongado fecho dos mercados mais do que compensem os ganhos da renegociação, provavelmente prolongando e aumentando a austeridade. Claro que esta lógica prevalece na medida em que se acredita que o pagamento da dívida nacional é viável, algo que o FMI defende. Se a conclusão é de que a dívida não é sustentável, então temos que efetivamente negociar um perdão. Mas isso deve ocorrer com a concordância das instituições internacionais e de uma forma tão ordenada quanto possível. Ainda assim, é importante compreender que esta eventualidade não quereria necessariamente dizer menos austeridade.
João Duque
Presidente do ISEG
O serviço da dívida que a República enfrenta nos próximos anos é dramático. Exigirá que, ano após ano e com a economia em cacos, se consiga captar, no mercado internacional, mais de 20 mil milhões por ano só em emissões de dívida de médio/longo prazo, o que, para Portugal, é absolutamente único. Note-se que, nos últimos seis anos, só num ano (2010) fomos ao mercado financiar-nos em 17,9 mil milhões, sendo que, nesse ano, o total do financiamento em mercado tenha sido de 38,4 mil milhões. Com a economia e o orçamento no estado em que estão, temo que estejamos a falar de necessidades brutas de financiamento, da ordem dos 50 mil milhões. Perante este quadro, parece inevitável que alguma coisa se faça. Podemos tentar renegociar as condições (juros) aplicadas, mas perante o tipo de credores da nossa dívida é difícil fazê-lo para além do grupo troika, que agora nos acena com a possibilidade de baixar 0,1% nas condições de uma da tranches dos empréstimos. Assim, rescalonar a dívida será o mais exequível. Mas é necessário perceber em que medida isso não compromete de todo a possibilidade de voltarmos ao mercado para procurar o financiamento de que necessitamos… A própria troika está disponível e é isso que devemos tentar a todo o custo. Mas, sublinho, a questão está em saber de que modo se consegue fazer, tendo sucesso na operação. E o sucesso será medido através de dois simples indicadores:
1. Se é ou não com imposição unilateral;
2. Se, depois de se operar, conseguimos captar mais financiamento de médio/longo prazo fora da janela de três anos (que foi o prazo declarado pela União Europeia para autorizar a compra de títulos de dívida em mercado secundário aos países que, em dificuldades, sejam cumpridores).