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Luísa Xavier, 38 anos, e Francisco Mouro, 33
Luísa e Francisco continuam a dormir todas as noites debaixo do mesmo teto, a tomar refeições à mesma mesa e a falar sobre a educação dos três filhos e a gestão das despesas domésticas. A rotina familiar mantém-se, embora a sua relação amorosa já tenha chegado ao fim. O golpe derradeiro, admitem, aconteceu quando ambos ficaram desempregados. Em dezembro de 2011, Luísa Xavier, 38 anos, deixou de receber o ordenado que auferia como consultora comercial numa empresa. Nessa altura, já Francisco Mouro, 33 anos, recebia o subsídio de desemprego há mais de 12 meses – o ex-militar terminara o seu contrato com o Exército em janeiro de 2010. “Somos obrigados a viver na mesma casa enquanto a nossa situação não melhorar”, explica Luísa. “Tivemos de aceitar a circunstância e lidar com o problema juntos, como se ainda fôssemos um casal.”
A conversa acontece diante dos três filhos, Guilherme, de 18 anos, alto e esguio como o pai, o irrequieto Jaime, com 5, e Carolina, mais tranquila e com apenas dois anos. “Eles percebem que a vida mudou muito no último ano, e não só no aspeto familiar”, diz Luísa. A situação, aliás, ainda piorou mais: em abril passado, Francisco atingiu o limite de tempo em que podia beneficiar do subsídio de desemprego. “Atualmente não recebo nenhum apoio.” O jornal Público noticiou, recentemente, que existem 465 mil pessoas sem qualquer tipo de proteção social há, pelo menos, nove meses. A conclusão resulta da comparação entre os números divulgados pelo INE e pela Segurança Social. “Ando desesperado à procura de um emprego na área da segurança privada”, conta o ex-militar, minutos após chegar de uma formação promovida por uma empresa do setor.
O último ano trouxe novas rotinas à vida desta família lisboeta. Os filhos mais novos abandonaram a creche particular e passaram a ser educados pelos pais, em casa. As consultas com a pediatra num hospital privado também foram canceladas. Luísa, que evita utilizar o carro, já se habituou à companhia da mãe durante as idas ao supermercado. “Ela é que paga as compras, custa-me muito, mas não tenho outra hipótese”, desabafa. A aflição desta mãe de três filhos levou-a a equacionar uma medida drástica. “Vou avançar com um pedido de insolvência pessoal”, conta. “Não tenho como pagar as dívidas ao banco [despesas efetuadas com cartão de crédito].” Apesar do cenário negro, a ex-consultora comercial acredita que conseguirá encontrar um emprego ainda este ano. “Sou uma pessoa muito positiva!”
Atualmente, existem quase nove mil casais desempregados em Portugal, o que representa um acréscimo de 99,3% face a 2011. O fenómeno está a assumir proporções inéditas. “Este aumento está relacionado com o crescimento generalizado do desemprego”, refere Octávio Oliveira, presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional. “Nestas situações, é fundamental ter um bom apoio. A majoração de 10% no subsídio atribuída a casais com filhos é uma forma de atenuar as dificuldades”, explica.
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Eulália, 56 anos, e Joaquim Martins, 60
COMEÇAR DO ZERO
Eulália, 56 anos, e Joaquim Martins, 60 anos, estão desempregados há cinco meses. É a primeira vez que se encontram nesta situação, e logo em simultâneo. Ambos trabalhavam numa empresa de materiais de construção, com sede em Silves, Algarve, até ao dia em que foram vítimas de um despedimento coletivo. “Ao longo dos anos dispensaram várias pessoas e nós fomos ficando – mas a nossa hora chegou”, conta Eulália, frustrada por ter sido despedida após 38 anos de serviço e sem direito a qualquer indemnização. Cada um recebe cerca de 475 euros mensais de subsídio de desemprego, um valor inferior ao ordenado mínimo nacional. O apoio financeiro, que se deverá manter durante três anos, só chegou um mês e meio depois do despedimento.
O casal vive atualmente sozinho – o único filho que têm já é adulto e independente. A casa e o carro estão pagos, mas, apesar disso, confessam ser muito difícil gerir um orçamento tão apertado. “Gostava de beber um café e não posso, porque o dinheiro é muito pouco”, diz Joaquim Martins. “Comemos sempre em casa…”
A perspetiva de encontrar um novo emprego é praticamente nula; nunca foram sequer chamados para uma entrevista de trabalho. Todos os meses enviam currículos, mas as respostas são sempre negativas. “Estamos inscritos na escola, que deve arrancar em setembro”, conta Eulália. “O meu marido vai inscrever-se nas Novas Oportunidades e eu vou começar do zero.” Até 2010, cerca de 400 mil adultos conseguiram um certificado escolar através dos centros de novas oportunidades. O esforço para adquirir novas competências é obrigatório para quem pretende ter alguma hipótese no mercado: em julho último, havia 623 mil pessoas inscritas nos centros de emprego, para apenas 11 mil postos de trabalho disponíveis.
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Rosa Pacheco, 53 anos, e António Cunha, 54
VELHO AOS 50
António Cunha, 54 anos, conhece bem estes números e talvez por isso não goste de alimentar falsas esperanças. “Perspetivas? Não tenho nenhuma. Sou muito novo para a reforma e velho de mais para trabalhar.” Operário de fiação desde os 13 anos, viu a sua vida por um fio quando, em 2008, a empresa onde trabalhava fechou as portas. Foram dois longos anos a viver apenas com o apoio do subsídio de desemprego e com o salário da mulher, que nessa altura estava empregada numa lavandaria. António ainda conseguiu regressar ao mercado de trabalho, mas, em janeiro passado, foi informado de que o contrato a termo que tinha assinado com uma empresa não seria renovado.
Os “novecentos e tal dias” a que tem direito de fundo de desemprego começaram a contar em fevereiro, à média mensal de 419 euros, menos 90 do que auferia na fábrica. Dois meses depois, em março, Rosa Pacheco, 53 anos, a sua mulher, também recebeu a mesma notícia. A lavandaria onde trabalhava iniciou os despedimentos após perder um dos maiores clientes, o Hospital de Braga. Rosa foi convidada a sair ao cabo de 12 anos de casa. O casal vive em Creixomil, perto de Guimarães, com os dois filhos, uma rapariga de 15 anos e um rapaz de 25, que tenta vingar na área da restauração.
As despesas fixas da família rondam os 250 euros. Um valor equivalente à diferença entre os ordenados que auferiam e o subsídio de desemprego. Por enquanto, Rosa prefere nem pensar no dia em que deixará de receber o subsídio. “Sei que não falta muito, talvez um ano, mas ainda nem vi bem os papéis”, confessa. Para já, vai informar-se sobre a possibilidade de se candidatar ao Rendimento Social de Inserção, consciente de que o valor, caso o consiga, será muito inferior ao que recebe atualmente. O casal não tem familiares a quem possa solicitar auxílio financeiro e, por isso, António já equaciona a hipótese de pedir a reforma antecipada. “A qualquer porta onde vá bater, perguntam-me logo a idade. Quando digo ’54’, a resposta é sempre a mesma: ‘Como?'”