Continua a cumprir a ronda semanal de carimbos para comprovar que está à procura de trabalho. Os 40 anos de experiência como costureira na indústria têxtil não se revelam uma mais valia.
7 de Maio de 2009
Olha com carinho para a velha máquina de costura de duas agulhas da marca Adler. “Gostava muito de trabalhar nela, está nas minhas mãos há 22 anos”, diz com a voz embargada. Foi com esta máquina – digna de museu, mas só há três meses sem linha – que coseu um sem número de botas e sapatos, que saíram da fábrica Vieira & Irmão, em Escapães (Santa Maria da Feira), com a garantia de qualidade da marca Galito. O salário que recebia em troca de 40 horas semanais não era grande: 470 euros por mês que, juntamente com o ordenado do marido, cortador de calçado, lhe deram para pagar a casa e criar os três filhos.
Isabel passou por outras fábricas, esteve emigrada na Venezuela, mas foi na Vieira & Irmão que começou: “Fiz o exame da quarta classe num sábado, na segunda estava a trabalhar”.
A pouco tempo da reforma, já não pensava vir a saber o que é isso do desemprego. Mas está nele vai para quatro meses.
Os problemas começaram em Setembro, quando o dono da cinquentenária fábrica decidiu “passá-la” sem dar cavaco aos trabalhadores.
Em Dezembro, com dois salários em atraso e subsídio de Natal por pagar, o Sindicato aconselhou os 26 funcionários a deixarem de trabalhar. Dos patrões, até hoje não há notícias: “Nós é que tivemos de fazer a insolvência da fábrica”, explica Isabel. O caso está em Tribunal.
Sem nada para fazer, os dias daqueles homens e mulheres são ainda passados na fábrica ou em frente a ela. Entre risos e prantos, elas com agulhas de crochet na mão, o horário de trabalho vai-se cumprindo, quase com o mesmo rigor de quando marcavam o ponto: “Não vamos sair daqui enquanto o Tribunal não vier fechar a fábrica. Nem que demore um ano”, assegura. É que recheio daquele espaço parado no tempo, com chão de cimento, telhados de zinco e luz coada por pequenos vidros foscos, ainda há-de servir para pagar parte do que lhes devem, acredita.
Há gente aflita com as prestações das casas e filhos por criar, um casal que de um momento para o outro ficou sem rendimento. Não querem dar a cara.
A Isabel fazem diferença os 50 euros a menos que, face ao salário, recebe agora pelo subsídio de desemprego: “Nunca vou tomar café ou lanchar fora para poder levar a vida de cabeça levantada”. O que a preocupa não é tanto a questão económica. É o vazio que já sente e que sabe que vai crescer quando for de vez para casa: “Aqui na fábrica éramos como uma família. O mais novo já trabalhava cá há 15 anos”. E, depois, há a humilhação de ter de andar a pedir carimbos de empresa em empresa para provar que está empenhada na procura activa de emprego. Ela já não tem esperança de encontrar outro: “Dizem-me que já estou um bocado velha”. Não se chateia. Distrair-se-á em casa, na horta e com os animais. Quem sabe cumprirá o sonho de conseguir, em leilão, levar para casa a velha máquina Adler.