A glória olímpica é conquistada, normalmente, com esforço e suor, perante uma multidão de espectadores. Mas, nos próximos dias, o prémio maior dos Jogos Olímpicos vai ser ganho quase de forma sussurrada, numa intensa batalha de bastidores, envolvendo chefes de Estado, monarcas, governantes e os mais poderosos lóbis do desporto mundial, em diversas salas de um hotel de luxo em Buenos Aires, Argentina. Objetivo: conquistar a maioria dos 103 membros do Comité Olímpico Internacional na votação que, no sábado, 7, decidirá a cidade que irá organizar os Jogos de 2020. A luta afigura-se renhida entre Madrid, Tóquio e Istambul. E ao contrário do que acontece nas provas desportivas, aqui não há medalhas de prata ou de bronze: o vencedor leva tudo.
As três cidades são repetentes nesta corrida. Istambul vai na sua quinta tentativa, nas últimas seis votações, e esta candidatura insere-se num programa mais vasto de desenvolvimento do país, lançado em 2008, e que deverá estar concluído em 2023, a tempo da celebração do primeiro centenário da república secular fundada por Kemal Ataturk. O grande trunfo da sua proposta reside no facto de poder ser a primeira cidade a organizar os Jogos em dois continentes e também o primeiro país de população maioritariamente muçulmana a receber a maior competição desportiva do planeta. E igualmente um dos mais jovens: 42% dos seus habitantes têm menos de 25 anos.
Tóquio concorre pela segunda vez consecutiva, depois de já ter organizado os Jogos de 1964, em que mostrou ao mundo a sua nova face, dinâmica e ordenada, após o trauma da II Guerra Mundial. Agora, promete uns Jogos em que a maioria das competições decorrem num raio de 8 quilómetros e com todas as instalações servidas por um moderno sistema de transportes, com energia limpa. Os japoneses prometem, além disso, um autêntico show tecnológico, a justificar o lema que escolheram para a sua candidatura: “Descubra o amanhã.”
Madrid apresenta a sua terceira candidatura consecutiva – há quatro anos, perdeu, na última ronda de votos, frente ao Rio de Janeiro. Agora, com o país afetado pela crise, salpicado de escândalos de corrupção ao mais alto nível e com uma taxa de desemprego superior a 27%, os espanhóis querem provar que se pode organizar uns Jogos sem endividar o Estado. Assim, com vista àquilo a que já chamam os “Jogos da Austeridade”, apresentam uma candidatura em que 28 das 35 instalações desportivas já estão construídas. Pela primeira vez, aliás, caso ganhem, o gasto com infraestruturas (1,94 mil milhões de dólares) será inferior ao da organização dos Jogos (que os madrilenos calculam em 3 mil milhões de dólares, com quase um terço financiado pelo Comité Olímpico Internacional e os seus patrocinadores).
Independentemente dos benefícios e fraquezas de cada uma das candidaturas, é nos próximos dias, em Buenos Aires, que se vão clarificar as posições dos 103 membros do COI com direito a voto. Como a escolha se decide por maioria absoluta, é bem possível que seja necessário proceder a uma segunda ronda de votos, eliminando-se a cidade menos votada na primeira ronda. E é neste contexto que os lóbis e os representantes das candidaturas vão jogar tudo, enviando uma mensagem clara a cada delegado: se a sua cidade favorita for eliminada, escolha a nossa.
Na memória de todos está a forma como, em julho de 2005, na reunião de Singapura, o casal Tony e Cherie Blair conseguiu encontrar-se com a esmagadora maioria dos membros do COI, individualmente, numa ação de relações públicas que se tornou histórica. Resultado: Londres conseguiu bater a favorita Paris, na ronda final, ficando com a organização dos Jogos de 2012.
Em Buenos Aires, os contactos e conversas iniciaram-se logo no início da semana. Particularmente ativo nesta matéria tem estado o príncipe Felipe, de Espanha, porta-voz da candidatura de Madrid e que tem um capital de experiência que lhe permite falar de igual para igual com vários membros do COI: foi atleta olímpico (e porta-bandeira da seleção espanhola, na abertura dos Jogos de Barcelona 92), é fluente em várias línguas e tem um acesso especial – e porventura laços de parentesco – com os 12 membros do COI que pertencem a famílias reais. A guerra das cidades pode tornar-se também, afinal, numa guerra dos tronos.
AS CANDIDATAS
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Istambul – Propõe-se gastar 2,9 mil milhões de dólares na organização dos Jogos e mais 16,8 mil milhões em infraestruturas que serão construídas mesmo não ganhando as Olimpíadas
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Tóquio – Com um orçamento de 3,4 mil milhões de dólares, a capital japonesa prevê investir mais 4,34 mil milhões em infraestruturas, mas não precisará de gastar um cêntimo com transportes, aeroportos e alojamento
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Madrid – A capital espanhola apresenta um orçamento de 3 mil milhões de dólares (receitas e despesas). Conta gastar apenas 1,94 mil milhões de dólares em novas infraestruturas
Em busca do novo senhor dos anéis
Na reunião de Buenos Aires, os 103 membros do COI vão também eleger, dia 10, o novo presidente da organização. Seis candidatos apresentam-se à sucessão do belga Jacques Rogge, que liderou o movimento olímpico nos últimos 12 anos Thomas Bach – Alemanha, 59 anos Antigo atleta olímpico de esgrima (medalha de ouro, nos Jogos de Montreal 1976), este advogado foi o principal vice-presidente de Jacques Rogge nos últimos anos e, como tal, é apontado como o favorito ao cargo, apoiado pelo forte contingente europeu – continente que “deu” oito dos nove presidentes da História do COI. Sergei Bubka – Ucrânia, 49 anos Autêntica lenda do desporto e ainda recordista mundial do salto com vara, é o candidato mais novo e foi o último a entrar na corrida. Os detratores apontam-lhe a falta de experiência como dirigente, mas todos lhe reconhecem um enorme dinamismo, paixão e espírito de liderança. Promete mão muito pesada na luta contra o doping. Richard Carrion – Porto Rico, 60 anos Sem qualquer experiência desportiva a nível olímpico, este banqueiro tem gerido os dinheiros do COI, na última década, e foi o negociador dos direitos televisivos dos Jogos para o mercado norte-americano, conseguindo “sacar” um recorde de 4,38 mil milhões de dólares à estação de televisão NBC. Tem um discurso emotivo e dinamizador. Denis Oswald – Suíça, 67 anos Antigo remador olímpico (medalha de bronze, nos Jogos do México 1968), tem uma vasta experiência em todos os campos do dirigismo olímpico. Fluente em francês, inglês e alemão. É, no entanto, visto como um representante da velha guarda e muito associado ao controlo suíço do COI. Ng Ser Miang – Singapura, 64 anos Homem de negócios e diplomata, sem qualquer experiência desportiva olímpica, tornou-se, no entanto, num dos membros mais populares e influentes do COI. Para isso contribuiu a forma como organizou, em 2010, em Singapura, os primeiros Jogos Olímpicos da Juventude. Aspira a ser o primeiro asiático a liderar o COI. C.K. Wu – Taiwan, 66 anos Arquitecto, sem qualquer participação como atleta em Jogos Olímpicos, surge nesta corrida como um outsider que parece ter como única função dividir os votos asiáticos e enfraquecer as aspirações de Ng Ser Miang. É, entre todos os candidatos, o membro mais antigo do COI, de que é membro desde 1988.