Na balança, os 1,81 metros de altura de Naide Gomes acusam, invariavelmente, um valor próximo dos 70 quilos. É esse o peso do seu corpo, aquele que ela aprendeu a deslocar, em corrida, ao longo de duas dezenas de passadas, até chegar à tábua de chamada. Mas, no momento do salto, tudo muda: aí, no preciso instante da impulsão, o peso do seu corpo é multiplicado por sete ou oito vezes. E o pé esquerdo da recordista nacional do salto em comprimento (7,12 metros) ultrapassa todos os limites de resistência para aguentar o equivalente a meia tonelada em cima dele.
Não admira que os atletas dos saltos (comprimento e triplo) sejam dos mais fustigados por lesões, no atletismo. Todos os dias, em treino ou em competição, aquele pé de chamada é obrigado a suportar pesos incríveis. De forma repetida, cadenciada, implacável. Criando lesões que, a partir de certa altura, deixam de poder de ser curadas. Apenas, na melhor das hipóteses, são aliviadas.
Nos últimos dois a três anos, a rotina diária de Naide Gomes era bem a prova do que pode ser o “sacrifício” de um atleta de alta competição, conforme ela própria o classificou: “De manhã, treino cerca de duas horas e depois faço fisioterapia durante cerca de hora e meia. Almoço, descanso, e volto a treinar entre as 5 e as 7 da tarde. A seguir, são mais duas horas de fisioterapia…”
O relato é feito por uma Naide Gomes sorridente, junto da pista de tartan do Centro de Alto Rendimento (CAR) do Jamor, onde se habituou a passar a maior parte dos seus dias: a exercitar-se às ordens do treinador Abreu Matos, e a sentir o seu corpo a ser esticado, músculo a músculo, tendão a tendão, pelos fisioterapeutas. Apesar daquele esforço diário, não se lhe ouve um queixume ou um lamento. “Nunca me canso, sou completamente viciada no treino”, afirma, novamente a sorrir.
Jorge Vieira, o diretor do CAR, tem sido uma testemunha quase diária desse esforço de Naide Gomes. E, por via disso, tornou-se um dos seus mais acérrimos defensores: “As pessoas não fazem ideia do que ela aguenta, do que sofre o seu corpo para poder continuar a competir.”
Na pista, mesmo nos treinos, Naide perde o sorriso. E o seu olhar ganha intensidade, quando se concentra nos exercícios de corrida ou tenta apurar o momento decisivo do salto. “Agora, só espero que as lesões me deixem lutar pelo meu sonho, porque vou mesmo lutar por uma medalha nos Jogos Olímpicos.”
Poucos dias depois dessa conversa, chegou a desilusão. No sábado, 9, na corrida para mais uma prova de salto em comprimento, o seu pé não resistiu. Anos e anos de esforço voltaram a pagar fatura. Rutura do tendão-de-aquiles – chegou, rápido, o diagnóstico. E depressa se tomaram decisões: operação cirúrgica para resolver clinicamente a lesão e o fim do sonho olímpico, em termos desportivos. Aos 32 anos, Naide Gomes confessou, poucas horas após o infortúnio, estar “de rastos”. Mas, logo a seguir, usou a sua página do Facebook, para anunciar que promete “nunca desistir”. Era previsível: afinal, ela está habituada a suportar pesos superiores a meia tonelada. Só com um pé.
Trio sem triplo
Três dos mais destacados saltadores de triplo salto do planeta foram obrigados, nos últimos meses, a falhar os Jogos Olímpicos, por lesão
Nelson Évora – Aos 28 anos, o campeão olímpico de 2008 não poderá revalidar o título: em janeiro, sofreu uma fratura de tíbia, durante o aquecimento para uma prova no Centro de Alto Rendimento, no Jamor.
Stefan Olsson – O sueco, 32 anos, campeão olímpico em Atenas 2004 ficará outra vez fora dos Jogos, depois de já ter falhado Pequim 2008. Razão: uma persistente lesão no joelho, que o limita desde 2007.
Teddy Tamgho – O francês, de 23 anos, recordista mundial em pista coberta com 17,92 metros, confirmou, esta semana, que não poderá lutar pelas medalhas em Londres, por culpa de uma lesão no tornozelo direito.