Já fez entrar em Portugal 600 milhões de euros. Gere a Gestifute, a maior agência de jogadores de futebol do mundo. Recentemente, numa glamorosa cerimónia no Dubai, ganhou o galardão de melhor empresário desportivo de 2011 (repetindo o feito de 2010). A sua carteira de jogadores vale mais do dobro da que é detida pela segunda agência classificada neste ranking muito especial (a Stellar), com 536 milhões de euros. Os 83 jogadores que representa, entre eles, Cristiano Ronaldo, Falcao, Nani, Pepe, Fábio Coentrão, Di Maria ou Anderson valem, em média 6,45 milhões de euros – a média da Stellar não chega a 1,5 milhões. Agente e amigo de treinadores como José Mourinho ou Luiz Felipe Scolari, é tu cá tu lá com presidentes ou ex-dirigentes dos maiores clubes de futebol do mundo – Florentino Perez, do Real Madrid, Joan Laporta, do Barcelona, ou Peter Kenyon, do Chelsea, são exemplos. É íntimo de nomes tão diferentes como o magnata de Singapura Peter Lim, dono da McLaren, de David Ciemny, agente de Lady Gaga ou, ainda, de “Ocho Cinco”, a estrela do futebol americano. Mas, no Bairro da Petrogal, na zona de Moscavide, onde nasceu e cresceu, Jorge Mendes, 46 anos, filho de um funcionário da Petrogal e de uma doméstica que fazia alcofas e chapéus de palha, para vender na praia e ajudar ao orçamento familiar, continua a ser o Cabanas, alcunha que ninguém parece conseguir explicar mas por que era conhecido quando dava os primeiros pontapés na bola, na rua, antes de ir viver com um irmão para Viana do Castelo e ser inscrito num clube dos escalões secundários, a União Desportiva de Lanheses. Talvez uma simples frase de um seu companheiro de infância explique o seu sucesso global, no mundo do futebol: “Já quando colecionávamos cromos, ele saía sempre a ganhar”
Fazedor de gelados
E foi nisso que ele se tornou: um colecionador profissional de cromos. Os difíceis, como CR7 ou o colombiano Falcao, mas também os mais repetidos: é ele que está na génese da ascenção do Sporting Clube de Braga, num projeto conjunto com o seu presidente, António Salvador. Com jogadores menos conhecidos, mas escolhidos a dedo, os dois homens fizeram com que os minhotos recebessem, em 2011, o prémio de clube europeu com mais rápida progressão. Jorge Mendes, que passa, por vezes literalmente, todos os seus minutos de vigília ao telefone – mesmo quando pratica desporto, de que é fanático, no ginásio da sua casa de Madrid, no jogging diário de uma a duas horas ou em caminhadas pelo Gerês – tem pouco tempo para a imprensa. E é senhor de um mundo privado que resiste em abrir à curiosidade pública. O alvo de uma notável exceção foi a SIC, e o jornalista Nuno Luz, que, durante meses, acompanhou, a par e passo, o dia a dia deste “empresário global” (ver caixa). Entre o Porto, onde estão sedeados os seus escritórios, e a sua casa de Madrid, onde o vemos em intimidade com Ronaldo ou José Mourinho; entre o Dubai, onde recebeu o prémio, e Londres, Barcelona ou Manchester, Nuno Luz percorreu milhares de quilómetros para estabelecer, num surpreendente documentário de uma hora, um retrato impressivo, íntimo mas também profissional, do homem que nenhum presidente de clube do mundo dispensaria conhecer. O operário da Olá, que ajudava a fazer “cornetos” na fábrica dos arredores de Lisboa, é hoje a cabeça de um império que resulta do que um dos entrevistados no programa classifica como “um sonho americano em Portugal”.
Da Feira da Ladra à Corunha
A vida discreta, senão secreta, de Jorge Mendes, agora revelada, não desilude ninguém. O empresário, descontraído, abre a porta de reuniões de negócios e de festas de família. A sua vida desdobra-se em imagens e sons. Das que foram captadas na fábrica de gelados ao arquivo do Lanheses. Do Bairro da Petrogal, onde visita um idoso acamado, seu antigo vizinho, à mansão de Madrid, onde o vemos em exercícios de ginásio ou a privar com o afilhado, filho do CR7. Da Feira da Ladra, onde chegou a vender toda a espécie de bugigangas, à Corunha, onde fez o seu primeiro negócio, na transferência do guarda-redes Nuno, do Guimarães para o Deportivo. Das suas antigas discotecas de Viana, Luziamar, ou de Caminha, a Alfândega, ao camarote privado no estádio Santiago Barnabéu, em Madrid. Os testemunhos sucedem-se: Cristiano Ronaldo, Costinha, Nani: “Mais do que um empresário, é um amigo.” Jorge Mendes não compra e vende jogadores: dá-lhes assistência. Tem um departamento comercial para lhes gerir os negócios, como o da entrada em publicidade. Tem um departamento financeiro, que lhes trata do dinheiro e das respetivas aplicações. Ainda um gabinete jurídico para assistência permanente, chefiado pelo advogado Osório de Castro. E até uma área médica, dirigida por José Carlos Noronha, vocacionada para prestar a melhor assistência aos familiares dos jogadores que a Gestifute representa. “Um jogador preocupado com a doença de um irmão, da mãe ou do pai, não rende o mesmo. Se souber que o seu familiar está entregue em boas mãos, tem maior robustez anímica e disponibilidade pessoal.” E não se desvaloriza. Se um jogador tem o esquentador avariado, esteja ele no Manchester ou no Besiktas de Istambul, Jorge Mendes resolve.
É a vez de os presidentes desfilarem: vários espanhóis, incluindo Florentino Perez (Real Madrid) ou Joan Laporta (Barcelona) elogiam-lhe a fiabilidade e a lisura. Jorge Mendes consegue, também, a unanimidade entre Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, qual deles o mais entusiasta nos depoimentos captados pelos microfones da SIC. Carlos Freitas, diretor de Futebol do Sporting, não lhes fica atrás. O advogado do Real assegura: “Negociamos por pura confiança!” E Laporta conta como Mendes o convenceu de que Deco era a chave de que o Barcelona precisava e como lhe arranjou outro clube, sem prejuízos para os “blaugrana”, quando o luso-brasileiro teve de sair.
O ‘chato’ irresistível
Entre imagens de avião – único lugar em que não está de auricular no ouvido… – e uma divertida partida de ténis com Cristiano Ronaldo, ou uma futebolada com os amigos, em que, senhor de boa condição física e apurada técnica, chega a ser craque, Jorge Mendes vai revelando uma personalidade divertida, antivedeta e afetuosa. Tão depressa tem tempo para uma jantarada com compinchas da juventude, em Lisboa, onde continua a ser o Cabanas, como aparece ao lado de Maradona. Ou numa cavaqueira, em Nova Iorque, com David Ciemny, agente de Lady Gaga. Pelo caminho, exercita os seus dotes de DJ, numa mesa de mistura que tem em casa, onde se alheia do mundo – mas não do telemóvel – ouvindo a sua música favorita e recordando os movimentos da Luziamar. Sem tempo livre, inclui a mulher na maior parte das suas inúmeras viagens de negócios. Chega a fazer um ou outro voo intercontinental para ver um jogo de futebol – e volta no mesmo avião. Não admira que esteja à espera da reforma para poder tirar férias. Mas um dos dirigentes desportivos ouvidos diz que o seu futuro, se alguma vez largar o negócio, será o de presidente de um grande clube mundial. Osório de Castro chama-lhe mágico: “Na sua área, é um David Cooperfield; queres ver se ele tem um truque, mas quanto mais olhas, menos vês.” O seu segredo, vamos percebendo, é o desplante desarmante. Sobretudo, Jorge Mendes é o “chato” típico que, depois, se revela irresistível. Foi assim que começou, há 15 anos, a sua carreira, batendo à porta de D. Augusto César Lendoiro, histórico presidente do Deportivo da Corunha. Por isso, a rematar a reportagem, alguém diz que Mendes devia intermediar o conflito israelo-árabe: já estaria tudo resolvido. Verdade ou exagero, uma coisa é certa: a vida dele deu um filme.
Uma reportagem que correrá mundo
Nuno Luz, jornalista, Paulo Cepa, repórter de imagem, e Luís Gonçalves, editor de imagem, assinam o documentário Jorge Mendes, o superagente, de cerca de uma hora, que irá para o ar no próximo dia 22. Primeira produção da estação em HD, utiliza, nas imagens finais de Jorge Mendes – obtidas no relvado do Estádio Nacional – um helicóptero telecomendado, um exemplar de aeromodelismo específico para televisão. O genérico e algum do grafismo são produzidos em 3D. Há muitos anos que Nuno Luz ambicionava fazer o perfil do seu amigo Jorge Mendes, que conheceu quando, há 15 anos, uma emissão do programa Os donos da bola dava conta do “desaparecimento” do guarda-redes Nuno, então no Vitória de Guimarães. Na altura, Nuno Luz recebeu um telefonema de um tal Jorge Mendes, a propor-lhe que o visitasse a Viana do Castelo, se queria saber onde estava o Nuno. Para fazer esta reportagem, que começou em setembro do ano passado, a equipa da SIC palmilhou milhares de quilómetros, percorrendo diversas cidades europeias e deslocando-se, mesmo ao Dubai. “Só a Madrid tive de ir dezenas de vezes.” O resultado final é uma superprodução que a SIC conta vender a diversas estações de televisão de todo o mundo.