Este é o sexto ano consecutivo que Luís Godinho sobe ao pódio dos prémios de fotografia da Federação Europeia de Fotógrafos, que este ano ocorreu em Alesund na Noruega. Desta vez, foi ao degrau mais alto na categoria reportagem/fotojornalismo, vencendo o prémio Câmara de Ouro.
Luís Godinho, açoriano, nascido em Angra do Heroísmo, trabalhava em engenharia e gestão do ambiente, mas desde criança que é apaixonado pela fotografia, embora nunca tenha tido qualquer tipo de formação na área da fotografia. Criado numa família grande, Luís tinha como rotina tirar os álbuns de fotos antigos da estante, folhear as páginas amareladas e colar as fotografias descoladas.
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Quando começou a viajar, interessou-se por pessoas, culturas e histórias. Despediu-se do trabalho e foi à procura de respostas para a sua vida em África, acompanhando a fundação Assistência Médica Internacional (AMI) numa missão humanitária. “Pedi para acompanhar uma missão deles como fotógrafo e foi brutal, vim de lá com algumas respostas. Havia medos, mas concluí que as respostas estavam já em mim.”
Neste contexto, foi tirada uma das fotografias vencedoras do prémio – a de uma menina com a camisola meio rasgada e com um lenço na cabeça, no Senegal. A missão humanitária consistia na recuperação de um centro hospitalar que tinha sido construído pela organização há uns anos, no coração do Senegal, onde não há nada, só areia e cabanas. A menina da fotografia foi uma das primeiras a nascer nesse centro. “Os miúdos, as crianças iam muito para lá, para o hospital, para estar ao pé de nós, a brincar, a conviver e criaram assim uma ligação bastante forte”, recorda. “Eu andava sempre lá a fotografar a parte do trabalho e as pessoas, e acabei por fotografar essa menina que estava encostada numa parede. É uma fotografia com um espaço vazio que nos faz também questionar sobre a questão da fotografia.”
A segunda fotografia, a preto e branco, é de dois meninos. Foi tirada na praça principal de Bissau, à noite. Foi no contexto de outra missão humanitária, ao arquipélago de Bijagós, na ilha de Bolama. “Havia uma falta de luz, então as crianças iam para o centro para brincarem umas com as outras, dançarem, mostraram os seus dotes de dança e dos seus rituais tribais. E essas crianças estavam à espera da sua vez para entrarem em cena e super apreensivas, quando eu as fotografei. Estava muito pouca luz, apenas havia uns pequenos holofotes, que criavam muitas sombras, e quando as sombras apareciam tentava sacar as fotos pelo meio e consegui tirar esta fotografia destes dois miúdos.”
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A terceira fotografia foi tirada na Indonésia, em Bali. O fotógrafo andava à procura de histórias de rua. Conta que sempre gostou muito de fotografar crianças e acabou por apanhar estes miúdos que faziam parte de um grupo de cerca de 30 rapazes que estavam a brincar na praia. Segundo Luís, “as brincadeiras deles eram correr para a areia, fazer corridas e ver quem chegava primeiro à praia. Comecei a topar aquilo de longe, fui até perto deles, despi-me todo, pus-me dentro de água e esperei que eles caminhassem para a água para tirar a fotografia.”
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No que toca ao processo criativo de decidir tirar ou não uma fotografia, o açoriano considera-se “autodidata” e afirma que é todo um processo “muito difícil de explicar que as fotografias são espontâneas”. Luís Godinho admite que muitas vezes se questiona sobre a própria qualidade das fotografias e explica a razão do reconhecimento que é dado aos seu trabalho: “A câmara é uma extensão do meu corpo, é uma coisa que vem daqui de dentro, que sai do coração, é algo muito natural”.
É professor nos Açores em escolas profissionais, dá aulas de fotografia e transmite aos seus alunos que não vale a pena gastar dinheiro em câmaras, porque nunca nenhuma faz um fotógrafo. Luís brinca ao dizer que ensina algo que nunca lhe ensinaram. O fotógrafo considera que o que faz é “um alinhamento entre o coração, o que se sente e o que se pensa”. “Eu posso ser uma pessoa muito espiritual, na parte da expansão da consciência porque me interesso muito por pessoas, por culturas e direitos humanos. Para mim fica fácil chegar a um sítio inóspito qualquer e tirar uma fotografia, seja em que contexto for. No contexto de uma reportagem, onde preciso extrair daquelas pessoas o máximo de informação, para poder escrever e compor uma expressão fotográfica, preciso ,às vezes, de me sentar, comer e conviver com eles. No contexto de conflito, ou no caso de uma guerra, aí tenho que tirar a fotografia de forma mais espontânea, mais rápida.”
O fotógrafo não considera ter uma maneira de fotografar ou um estilo definido, mas salienta que não gosta de tirar elementos da fotografia; o que está, fica. Também diz que gosta de usar as profundidades de câmara, ou seja, aberturas de lente demasiado grandes. O fotógrafo foca no fundamental e o resto desfoca se não interessar para contar a história. Para ele, uma boa fotografia é uma fotografia que faz arrepiar, no sentido em que está a passar alguma coisa. Nos seus trabalhos não usa lentes com zoom, o seu zoom são os seus pés e fotografa muito em cima do sujeito, os rostos das pessoas. “Quase que estou a roubar a alma da pessoa que eu estou a fotografar tão perto da cara. Nota-se isso nas minhas fotografias. E acho que essa emoção chega ao espectador.”
“Eu não gosto de dizer que sou fotojornalista, eu sou fotógrafo”. Explica que primeiro faz fotografia e é apaixonado pela mesma e o fascínio que têm pelas pessoas e pelos direitos humanos, é que o levam à procura de uma história ou de histórias que possam fazer reportagens isoladas ou reportagens completas sobre a saúde. “Não tenho que dizer que sou fotojornalista por ser fotojornalista, porque eu também faço outro tipo de coisas, e no geral, a fotografia é o que me fascina.”
“Sei que não vou mudar o mundo, mas também sinto que posso mudar o mundo dos meus e daqueles que me seguem, acompanham e gostam do meu trabalho. Sinto que fazer esta parte da fotografia a contar histórias de coisas, às vezes até mais tristes, que acontecem na humanidade, serve para mostrar a realidade e que o nosso mundo não é assim tão cor-de-rosa., e que no outro lado do mundo existem pessoas que estão a sofrer.”
Luís diz nunca estar à espera de ganhar prémios. Em 2017, quando venceu o Sony Awards, ficou em choque: ainda não era muito conhecido no mundo da fotografia e estava a começar a ser fotógrafo a tempo inteiro, após se ter despedido há pouco tempo. “Quando decidi tomar uma decisão de abandonar um trabalho seguro, como engenheiro, para ir para um trabalho inseguro, que era ser freelancer da fotografia, a vida dá-me o Sony Awards. Abri o Notícias ao Minuto, e depois, o Público, e lá estava eu na primeira página: ‘Luís Godinho Vence, Sony Awards’.” A fotografia vencedora foi tirada no Senegal, no dia em que os missionários da AMI se iam embora.
Luís conta que “os aldeões, as crianças e os missionários estavam todos a chorar”. “Estávamos num pequeno autocarro e eu estava com o cabisbaixo, e as crianças vieram todas a correr para o autocarro e a pendurar-se para o autocarro.” A fotografia foi tirada a uma menina pendurada na janela do autocarro, à qual Luís intitulou “Janela”. “Ela estava pendurada com os dedinhos, quando eu espreitei para o lado, e vi os dedinhos dela. E foi quase instintivamente que pus fora do autocarro e fotografei-a de cima. E aparece uma mão de uma adulta que tem de puxar a criança para trás, ela está pendurada no vidro, e aparecem mais crianças pelo meio.”
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Esta é uma das suas fotografias preferidas. “Mudou a minha vida”. O fotógrafo acrescenta, em tom de tristeza: “Infelizmente, não sei se mudou a vida dela mas, mais tarde, pedi a um amigo meu que trabalha no Senegal, para se encontrar com ela e levar-lhe a fotografia. Soube o nome dela e tive interesse porque, para mim, não era só ter ganho o prémio, foi também poder dizer ‘Olha, foi por causa do rosto de uma menina que eu venci aquilo’.”