É preciso ser verdadeiro e dizer já que o País em que Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa escreveram Novas Cartas Portuguesas não é comparável ao País em que escrevem Alice Neto de Sousa, Capicua e Filipa Martins. Desde logo, porque os homens, sobretudo os mais jovens, já não são mobilizados para uma guerra sem sentido em África; o conflito acabou e, mal ou bem, o processo de descolonização aconteceu. Mas há mais: ao terem aceitado o convite da VISÃO para falarem sobre os atuais problemas das mulheres, Alice, Capicua e Filipa não serão acusadas, tão-pouco julgadas, de atentar contra a “moral pública”. Obedecendo apenas ao repto lançado pela VISÃO, o de voltar a olhar para a condição feminina 50 anos depois da publicação de Novas Cartas Portuguesas, os três textos que revelamos nas páginas que se seguem foram escritos sem constrangimentos nem amarras morais: são fruto de uma total liberdade.
Em abono da verdade, também é preciso lembrar que nem tudo está cumprido no que diz respeito às questões de género. A desigualdade persiste, e esta é visível, por exemplo, na diferença salarial, agravada nos últimos dois anos de pandemia, entre homens e mulheres. “Exaustas de receber menos pelo mesmo trabalho – e com mais qualificações. Exaustas por nossa pobreza ser sempre maior. Exaustas por a nossa pobreza ser a pobreza das crianças”, escreve, a este propósito, Capicua, em Liberdade. Alice, por sua vez, em Contração, refere-se às “mãos que tecem a liberdade/ são mais,/ somos mais,/ mulheres”. Filipa, em O Que Fazer com Estas Mulheres?, lembra os “não ditos” e interpela “um senhor juiz” que não sabe o que fazer com estas “queixinhas” que “fazem dos maridos arguidos e dos amantes condenados”. Ao contrário das Três Marias, como ficaram conhecidas as autoras de Novas Cartas Portuguesas, Capicua, Alice e Filipa não são amigas nem trabalharam juntas, mas, de alguma maneira, os seus textos, escritos a seis mãos, também ecoam uns nos outros.