O gravador encravou no momento H, quando Paul Auster atendeu o telefonema português, instalado na sua casa confortável de Brooklyn, ele no andar de baixo em modo de pausa, a mulher (a também escritora Siri Hustvedt) no andar de cima a escrever. O acaso, a sincronicidade, as histórias discretamente excêntricas, resolutamente elegantes, que o tornaram um habitante frequente das nossas estantes, um autor de renome mundial e o recipiente de prémios internacionais, flutuam em torno do gag involuntário. Uma explicação para o sucedido também se poderia arrumar assim: uma máquina não colaborante é um acidente apropriado para um escritor que resiste às redes sociais, à internet, aos comodismos de coisas como o Skype e companhia.
Mas Auster, nascido em Newark há 74 anos, é o que se pode chamar “um senhor” – na sofisticação e na idade que o faz agora sentir que o tempo lhe foge para criar mais um lote de obras que se juntem a clássicos contemporâneos como a chamada Trilogia de Nova Iorque (1987), A Música do Acaso (1990), No País das Últimas Coisas (1987), Mr. Vertigo (1994), Timbuktu (1999), ou O Caderno Vermelho (1995). E logo recorda as várias visitas a Portugal, uma delas quando veio realizar o filme A Vida Interior de Martin Frost, no já distante ano de 2006. “Éramos uma pequena equipa, na sua maioria portugueses, e foi uma bela experiência. Trabalharam tanto e o ambiente era tão bom… Tudo foi perfeito, e é muito raro encontrarmos estas situações humanas em que tudo corre bem, em que se está interessado naquilo que as pessoas podem ser”, diz, na voz profunda, arranhada pelo hábito do tabaco. “Aquilo que as pessoas podem ser” é um bom mote para entrar no seu novo livro, uma obra que rivaliza em tamanho com o seu anterior romance, publicado há quatro anos, 4321. Aqui, Auster inaugurou a sua mão num género novo, o da biografia, e ressuscitou o escritor Stephen Crane em Burning Boy (Um Homem em Chamas na versão portuguesa). “Ele sempre foi considerado um clássico, um autor importante na aparência exterior. Eu quero trazê-lo para o interior, e integrá-lo no panteão dos autores americanos. Mas falamos daqui a cinco anos, para avaliar o efeito deste livro…”