O júri escolheu por maioria a autora portuguesa como vencedora do Prémio Literário Casino da Póvoa, integrado na 22ª edição do Festival Literário Correntes d’Escritas, este ano em formato online. Daniel Jonas, Inês Pedrosa, José António Gomes, Luís Caetano e Martas Bernardes justificaram a sua decisão, tomada por maioria, sublinhado Estranhezas como uma “síntese de um percurso poético ancorado na celebração do corpo e do desejo, que estabelece um diálogo transgressor com a tradição lírica e medieval e renascentista”. Sob uma capa simbólica, representando uma asa desenhada por Dürer que ecoa o poema Asa, Estranhezas (editado pela D. Quixote, em 2018) estrutura-se em sete capítulos, intitulados No Espelho, Paixão, Da Beleza, Alteridades, Tumulto, Ferocidades, À Beira do Abismo. E corporiza o discurso do júri sobre a obra de Maria Teresa Horta, elogiada por ter criado “um glossário e uma sintaxe muito pessoais, um idioma singular que subverte e actualiza a ideia da poesia como um canto celebratório, brincando com as convenções da rima e do ritmo, fazendo-as implodir num erotismo vital, que se exerce numa contínua experimentação dos limites da nudez e mistério da palavra”.
Escritora, jornalista, feminista, militante contra todos os autoritarismos, sejam políticos ou do pensamento, Maria Teresa Horta tem um percurso marcado pela poesia e pelas convicções. Estreou-se em 1960 com o volume Espelho Inicial (1960), somando uma vintena de títulos editados, incluindo o celebrado (e censurado pelo Estado Novo) Minha Senhora de mim (1971), e várias antologias, além de livros de ficção, de que destaca o romance As Luzes de Leonor (2011), distinguido com o Prémio D. Diniz, da Fundação da Casa de Mateus. Em 2014, Maria Teresa Horta foi distinguida com o Prémio Consagração de Carreira pela Sociedade Portuguesa de Autores.
O prémio Casino da Póvoa-Correntes d’Escritas, no valor pecuniário de 20 mil euros, chega num ano de outras comemorações: o seminal Novas Cartas Portuguesas, escrito por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, cumpre 50 anos da escrita da primeira carta, datada de 1 de março de 1971. Um livro escrito a seis mãos, sobre a mudança de mentalidades, a condição feminina e as mazelas de um Portugal patriarcal ainda sob o jugo do Estado Novo, que valeu às chamadas “três Marias” ameaças de prisão – um processo com enorme repercussão internacional, que teve o apoio de figuras de proa da filosofia e do pensamento feminista como Simone de Beauvoir e Susan Sontag. E feministas a estenderem faixas e a entregar cravos vermelhos nas embaixadas portuguesas do mundo, dois anos antes do 25 de Abril.
Uma história contada na VISÃO que está esta semana nas bancas, em que Maria Teresa Horta recorda as histórias por trás das Novas Cartas Portuguesas – e levanta o véu sobre a autoria dos textos que as três autoras decidiram manter sempre no anonimato.
À VISÃO, Maria Teresa Horta declarou não sentir que o impacto de Novas Cartas Portuguesas tenha estendido uma sombra na sua produção posterior: “Eu não sinto isso porque a literatura é muito maior do que eu. Estou aqui porque escrevo. Quando o Luís [de Barros, jornalista, marido de MTH] morreu em 2019, eu pensei: ‘Vou morrer.’ E de repente, disse: ‘Não, eu vou fazer um livro chamado Paixão, dedicado a ele.’ Não é que eu esqueça as Novas Cartas Portuguesas. Mas, para mim, o mais importante é a poesia.”