Um livro com gente real dentro, puxando as malhas dos deserdados da História, aqueles que apostaram na miragem do Portugal hospitaleiro no cenário pós-colonialista e tropeçaram numa realidade muito diferente e rente à miséria, é o escolhido pelo Prémio Oceanos como grande vencedor da edição de 2019. Luanda Lisboa Paraíso (Companhia das Letras), o segundo romance de Djamilia Pereira de Almeida, é a história pungente de Cartola de Sousa e Aquiles, um pai e um filho com um simbólico calcanhar defeituoso, deserdados da sorte que embarcam numa viagem a Lisboa na década triunfante de 1980, em busca de tratamentos médicos e confiantes na mensagem da igualdade para todos os que são ou foram portugueses. A realidade acabará por traí-los, conduzindo-os à periferia, à pobreza e a solidariedades inesperadas.
Galardão importante, o Oceanos – Prémio de Literatura em Língua Portuguesa contou, este ano, com a participação de 1 467 autores concorrentes com obras publicadas em dez países. Com um valor monetário de 120 mil reais (€27 mil) para o primeiro prémio, a curadoria desta edição foi da responsabilidade da linguista cabo-verdiana Adelaide Monteiro, da jornalista portuguesa Isabel Lucas, e dos brasileiros Selma Caetano, gestora cultural brasileira, e Manuel da Costa Pinto, jornalista. Entre os finalistas portugueses, estavam Dulce Maria Cardoso com o romance Eliete, João Tordo com Ensina-me A Voar Sobre os Telhados, e José Gardeazabal com Meio Homem Metade Baleia.
Luanda Lisboa Paraíso tem vindo a fazer um percurso assinalável, tendo já recebido o Prémio Literário Fundação Eça de Queirós, o Prémio Literário Fundação Inês de Castro, sagrou-se finalista dos Prémios APE e Pen Clube. O romance está igualmente editado no Brasil.
Nascida em Angola em 1982, licenciada em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa, Djaimilia Pereira de Almeida emergiu na literatura nacional com Esse Cabelo (Teorema, 2015). Livro celebrado pela crítica, volume dificilmente categorizável, a autora fazia aí uma pesquisa identitária, partindo dos cabelos crespos para refletir sobre raízes culturais e os estereótipos, e cruzando a história de quatro gerações da sua família. Uma voz fresca, lúcida, emocionante, capaz de alinhavar emoções profundas sem esforço aparente, alinhada com as correntes literária e ensaística atuais centradas nas questões do género e etnia, e onde se inscrevem nomes celebrados como Chimamanda Ngozie Adichie ou Grada Kilomba.
Além dos citados Esse Cabelo e Luanda Lisboa Paraíso, a escritora tem mais três livros publicados: Ajudar a Cair (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2017), um ensaio híbrido sobre os laços de vizinhança, solidariedade e esperança partilhada, resultante do acompanhamento dos residentes do Centro Nuno Belmar da Costa, instituição pertencente à Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa; Pintado com o Pé (Relógio D’Água, 2019), reunião de crónicas, contos, ensaios e textos dispersos, compreendidos entre 2013 e 2019, que dão conta do seu olhar singular; e o recém-lançado A Visão das Plantas (Relógio D’Água, 2019), cuja inspiração partiu de um trecho lido, há muitos anos, no romance de Raúl Brandão, Os Pescadores.
Djaimilia Pereira da Silva é a quinta autora de nacionalidade portuguesa a vencer o Prémio Oceanos, que já distinguiu igualmente Gonçalo M. Tavares (2007, Jerusalém), Valter Hugo Mãe (2012, A Máquina de Fazer Espanhóis), José Luis Peixoto (2016, Galveias) e Ana Teresa Pereira (2017, com Karen).