Nesta sua versão de festival urbano de verão, o Super Bock Super Rock é um espaço prático e confortável. Nasceu à beira do Tejo, em Alcântara, só com um grande palco, em 1995, e há três anos que se instalou, de novo à beira rio, agora no Parque das Nações. O que se perde em ligação à natureza, dos tempos do Meco, ganha-se em conforto. Pode-se chegar calmamente de metro, beneficia-se da arquitetura contemporânea duma zona nova de Lisboa – que outro festival conta com um dos mais celebrados edifícios de Siza Vieira no mundo (o ex-Pavilhão de Portugal)? – a circulação é fácil e um dos palco é o da maior sala de espetáculos do país, a Altice Arena.
Este ano, a lotação do festival não esgotou e, se isso não é bom para o negócio, para os festivaleiros pode ser uma bênção. O dia com mais afluência – perto de 20 mil entradas – foi o da sexta-feira, 20, dedicado, sobretudo, aos sons do hip-hop (com Travis Scott como cabeça de cartaz).
No sábado (por natureza o dia da semana mais convidativo para qualquer grande evento) percebia-se que a lotação estava longe de estar esgotada, tal como já tinha acontecido na quinta-feira, dia de abertura. Resultado: poucas filas, facilidade para chegar perto dos palcos ou aos balcões de bebidas, espaço mais do que suficiente para descansar entre concertos. O tempo – nem demasiado quente, nem demasiado frio – também ajudou. Digamos que, para quem gosta de festivais pelos bons concertos que ali pode ver mas não morre de amores por grandes multidões e desconfortos vários (lembram-se da aventura para chegar a horas ao Meco e largar o carro a uma distância decente?) o cenário até era bem agradável.
E bons concertos não faltaram numa edição algo especial por não ter um cabeça de cartaz óbvio, daqueles que facilmente arrastam milhares de pessoas (como aconteceu em 2016 com Kendrick Lamar e Massive Attack e em 2017 com os Red Hot Chili Peppers). Falando dos que conseguimos ver, destaque para uns The XX em topo de forma, muito mais acutilantes e dançáveis do que na apresentação de verão do ano passado (no NOS Alive), numa noite especial para os três músicos por encerrarem ali um ciclo de concertos de dois anos. É um dos (muitos) casos de amor correspondido com o público português e, coisa relativamente rara, o som da grande nave da Altice Arena esteve à altura do momento.
Benjamin Clementine é outro músico que tem alimentado uma relação especial com Portugal (já tinha, mesmo, atuado ali, mas no palco EDP, sob a pala do Pavilhão de Portugal, em 2015). Mostrou-o, aliás, no fim do concerto quando projetou uma grande bandeira de Portugal, com a frase “Eu vou-me lembrar de Portugal para sempre!” no momento das despedidas. Um momento que podia não ter chegado… A meio do concerto, quando cantava a capella (numa sala como a Altice Arena, um desafio de alto risco, que não é mesmo para todos), interrompeu-se para perguntar “mas quem é que está aí a falar?!”. Várias pessoas, claro, ou não fosse isto um festival de verão em Portugal em 2018. “Silêncio!”, gritou, e ameaçou parar o concerto por ali. Não parece o mesmo artista tímido e introvertido das primeiras atuações em Portugal, quando pouco falava com o público e guardava todo o poder de comunicação e emoção para a interpretação das poderosas canções do seu álbum de estreia. Agora fala, grita, ri e está muito mais seguro em palco (ou na plateia que percorreu, enquanto cantava Adios e passava o microfone a vários membros do público). Sentindo, talvez, o peso de atuar numa sala tão grande apresentou versões musculadas (com a guitarra elétrica e a bateria em grande destaque, sobreponde-se várias vezes ao seu piano) de algumas das canções mais conhecidas e preparou um momento exclusivo: o dueto com Ana Moura no tema I Won’t Complain. O segundo disco de Benjamin Clementine, I Tell a Fly (2017) é mais difícil e sinuoso do que At Least for Now (2015), com as suas canções perfeitas e bem desenhadas, e isso nota-se, também, em palco. Mas um artista com o talento de Clementine não consegue dar um mau concerto.
No dia anterior, naquele mesmo enorme palco, quem ainda não o sabia descobriu o nome de alguém que já levantou voo na música portuguesa: Slow J vai ser (para muitos, que entoam as suas canções de cor, já é) um caso sério, com o seu hip-hop de janelas abertas para vários géneros musicais, um hip-hop sincero e orelhudo que vai muito para lás das batidas e samplers, apoiando-se muito nas guitarras e na bateria. Vêem-se altos voos no horizonte.
A mesma sensação, pouco depois, no palco mais pequeno do festival (o LG) dedicado à música feita em Portugal. Luís Severo também já é um caso sério para muitos fãs mas tem todo um grande espaço à sua frente para crescer como excelente escritor de canções que já provou ser (“É o melhor músico português da atualidade!”, explicava, entusiasmado, um jovem admirador, ao amigo que chegava). Mais um concerto em que chegar à frente de palco, a escassos metros dos músicos, era facílimo. Um luxo.
A música portuguesa esteve, aliás, em grande nos vários palcos: destaque para a emoção toda de Who the Fuck is Zé Pedro mas também para The Parkinsons, Isaura, Filipe Sambado, Mirror People, Virtus, Ermo, Sunflowers, Keep Razors Sharp e os cada vez mais clássicos mas sempre pertinentes Pop Dell’Arte de João Peste.
A incoerência e grande misturada do cartaz do último dia do festival (Stormzy, Benjamin Clementine e Julian Casablancas & the Voidz, os três concertos do palco maior, têm muito pouco em comum), apontada como uma das razões para a fraca afluência na noite de sábado, tem as suas virtudes. Levar à descoberta, viajar entre palcos com a descontração de quem não sabe bem o que vai encontrar. A exceção foi o concerto de The The – muitos estava ali para esse reencontro, muito marcado pela nostalgia, com a banda de Matt Johnson, Outros deixaram-se surpreender, por exemplo, com o inglês Baxter Dury que assinou, à hora do pôr-do-sol e com uma garrafa de vinho branco em palco, uma das mais descontraídas e cativantes atuações do festival, ou com a entrega da iraniana Sevdaliza que afirmou em Lisboa o seu orgulho em conseguir ser uma “artista independente”.
Foi o melhor Super Bock Super Rock de sempre? Não foi. Mas teve os ingredientes todos para mostrar, mais uma vez, que onde quer que aconteça, tem um espaço só seu nos festivais de verão, já com sabor a clássico a caminho da 25ª edição, em 2019.