Bader bin Abdullah bin Mohammed bin Farhan al-Saud. Este nome saiu do anonimato relativo dos cerca de cinco mil príncipes associados à casa real saudita, ao ser agora apontado pelo jornal The New York Times, como o comprador de Salvator Mundi, a última pintura de Leonardo da Vinci em mãos privadas. Referido como amigo próximo do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, este “discreto” aristocrata sem ligações aparentes ao mundo da arte, arrematou a obra no leilão da Christie’s por uns estratosféricos 450 milhões de dólares no passado 15 de novembro, tornando-a a mais cara pintura de sempre. Sabe-se agora que a obra será emprestada ao recentemente inaugurado Louvre Abu Dhabi – o museu que ambiciona redefinir as centralidades da arte e tornar o mundo árabe numa paragem obrigatória no circuito museológico contemporâneo.
Ainda não foi divulgada a data a partir da qual Salvator Mundi estará patente ao público no Louvre Abu Dhabi. Mas será, certamente, um trunfo capaz de mobilizar multidões. Dados revelados pelo Louvre de Paris mencionam, por exemplo, que uma obra universalmente famosa, como é o caso da Mona Lisa, também de Leonardo da Vinci, é o principal objetivo de 80% dos visitantes que se deslocam ao museu pela primeira vez. Se ter a marca Louvre no mundo árabe é uma conquista, ter um Leonardo da Vinci desta magnitude ajudará certamente as ambições culturais da região.
Esta aquisição de uma obra de arte marcante, capaz de alterar o xadrez internacional e assegurar uma ambicionada influência cultural, não é um caso único. Também localizado no Golfo Pérsico, o Qatar tem estado envolvido numa estratégia de aquisições de obras de arte ocidentais, sem precedentes e sem rivais. Em 2013, Patricia G. Hambrecht, alta responsável da leiloeira Phillips, descrevia assim, ao The New York Times, os dirigentes do pequeno país: “Eles são, atualmente, os mais importantes compradores do mercado de arte.” Também o The Art Newspaper revelou que, entre 2005 e 2011, o Qatar foi responsável pela compra maciça de arte moderna e contemporânea, adquirindo trabalhos de nomes altamente cotados como Mark Rothko, Andy Warhol e Damien Hirst. E a febre de aquisições não dá sinais de abrandamento até 2017.
Às coleções de pintura e objetos artísticos, orientais e ocidentais, o sheik do Qatar e a sua família extensa juntaram impressionantes acervos de joias, carros de coleção, relógios, antiguidades. A família real al Thani, de quem William Lawrie, ex-responsável do departamento de arte contemporânea árabe e iraniana da leiloeira Christie’s, disse serem “o equivalente moderno dos Médicis da Florença do século XVI”, estiveram por trás do estabelecimento do Museu de Arte Moderna de Doha, do Museu de Arte Islâmica desenhado pelo arquiteto I.M. Pei, do Museu de Fotografia do Qatar, entre outros polos dedicados à arte e à cultura que surgiram na região.
A sheika Mayassa bint Hamad al Thani é, asseguram os especialistas, a figura chave nesta missão que ambiciona transformar o Qatar numa potência cultural no plano internacional. Reconhecida como uma das players mais importantes do mundo da arte contemporânea, a irmã do atual emir, Tamim bin Hamad al Thani, preside à Autoridade dos Museus do Qatar e é responsável pela gestão do orçamento real para arte – um valor que excede os mil milhões de dólares anuais.
Aos 34 anos, Mayassa bint Hamad al Thani tem a reputação de ser a maior compradora de arte a nível mundial. Foi ela que adquiriu o tríptico de Francis Bacon, dedicado ao amigo pintor Lucien Freud, pela soma de 142,4 milhões de dólares, e a pintura Os Jogadores de Cartas, de Cézanne, por 250 milhões de dólares. E tem fama de oferecer sempre valores mais altos dos que os esperados. A estratégia do Qatar é simples: licitam sempre as obras de arte famosas. Uma “máquina de guerra extraordinária” para elevar Doha a capital mundial da arte, definiu Thierry Ehrmann, fundador da plataforma online Artprice: “O Qatar não corre riscos, compra o melhor e está disposto a pagar o que for preciso para o obter.” E um estudo co-realizado pela Artprice e pelo Organ Museum Research, entre 2000 a 2012, revelou que os valores das licitações feitas pelo Qatar eram 40 a 45% acima dos preços de mercado.
Mayassa bint Hamad al Thani apresenta-se ora como uma sofisticada mulher de negócios com roupas ocidentais ora como uma princesa de cabeça coberta. Estudou nos EUA, tendo-se diplomado pela Universidade de Columbia, e trabalhou no Festival de Cinema de Tribeca, criado por Robert de Niro, sem revelar o seu estatuto real, anates de regressar ao seu país para presidir à referida Autoridade dos Museus do Qatar. Numa TED Talk de 2010, a sheika Mayassa dizia isto:”Estamos a fazer a revisão de nós próprios através das nossas instituições culturais e desenvolvimento. A arte é uma parte muito importante da nossa identidade nacional.” Quais serão as obras de arte mundialmente reconhecidas que, brevemente, irão parar ao Qatar, ou a outros países árabes, é a questão.