Temos caso. E está para durar. A Embaixada da Polónia em Portugal, numa primeira reação à entrevista do escritor João Pinto Coelho à VISÃO, publicada na edição da passada semana, critica as declarações do vencedor do Prémio Leya a propósito de acontecimentos ocorridos naquele País na II Guerra Mundial que servem de base ao romance Os Loucos da Rua Mazur, editado pela Dom Quixote. «Quando terminei Perguntem a Sarah Gross, os maus eram os alemães. Neste caso, falo das perseguições aos judeus praticada pelos seus vizinhos cristãos numa cidade que nunca identifico, mas onde cabe Jedwabne», explicou então o escritor, situando parte da pesquisa histórica para este livro numa localidade do nordeste da Polónia, onde, a 10 de julho de 1941, um grupo de cidadãos, na maioria cristãos, terá arrastado entre 600 a 1600 judeus para um celeiro, conforme as fontes, queimando-os vivos.
De acordo com o porta-voz da representação diplomática de Varsóvia no nosso País, as autoridades polacas e a própria embaixada não pretendem pronuciar-se sobre o conteúdo do romance, até porque o mesmo só hoje chega às livrarias: «Contestamos, no entanto, a generalização das atitudes negativas dos polacos cristãos para com os polacos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, guerra cujas vítimas foram os polacos, tanto judeus, como não-judeus», referiu à VISÃO Bogdan Jedrzejowski, acrescentando: «A Polónia foi o único país cujas autoridades nunca colaboraram com os nazis. Foi também o único país em que esconder ou ajudar os judeus foi punido com a pena de morte. Mesmo assim, os polacos constituem o maior grupo entre os Justos entre as Nações (mais do que 25%)”, termo usado por Israel para honrar os gentios que arriscaram a vida para salvar os judeus durante o Holocausto.
Segundo aquele porta-voz, a reação à entrevista de João Pinto Coelho tem como objetivo «destacar a perda sofrida pelo bom nome da nação polaca, que foi uma das vítimas mais trágicas da Segunda Guerra Mundial, bem como aquela sofrida pelos leitores portugueses, afastados no tempo e no espaço do horror da Guerra vivido na Polónia, a quem se apresentam factos fora de contexto histórico», conclui Bogdan Jedrzejowski, referindo-se ao artigo publicado na passada semana.
De resto, e de acordo com a informação veiculada pelo mesmo porta-voz, o embaixador polaco, Jacek Junosza Kisielewski, por estes dias ausente numa viagem de trabalho, irá publicar, «logo que for possível», uma «carta aberta» sobre este assunto.
Contactados pela VISÃO, tanto a editora Dom Quixote (grupo Leya), como o autor, recusaram prestar declarações, reservando as mesmas para uma fase posterior. Recorde-se que o livro é apresentado em Lisboa, no próximo dia 29, pelo padre Tolentino de Mendonça, vice-reitor da Universidade Católica.
Reações na Imprensa
A polémica, porém, começou há dias na Imprensa polaca.
Dando voz à contestação assumida pela embaixada – que remetia mais esclarecimentos para o Ministério dos Negócios Estrangeiros – várias publicações destacaram as declarações de João Pinto Coelho à VISÃO, acusando-o, em alguns casos, de «falsear» a História e «insultar» os polacos a partir das narrativas do seu novo livro, e criticando o jornalista – por sinal, o autor destas linhas – de secundar «a retórica» do escritor. Umas das passagens mais citadas da entrevista, reproduzida nos órgãos de informação polacos, diz respeito às comparações que o escritor faz entre o passado e a atualidade, numa altura em que dezenas de milhares de manifestantes de movimentos extremistas de direita saem à rua em defesa de uma «Polónia pura», beneficiando de simpatias evidentes a nível governamental. «Os sinais estão aí, de novo, mas a indiferença é mais forte do que a História», referiu então João Pinto Coelho, acrescentando: «Os objetos, os monumentos, o que resta da memória judaica está a ser atacado e vandalizado. Receio que isto acabe outra vez em tragédia. Se fosse judeu, neste momento não me sentia confortável na Polónia», assinalou à VISÃO o vencedor do Prémio Leya, que considera o Mal, na sua versão universal, a personagem principal dos seus romances, «sobretudo deste».
Numa nota do autor, incluída nas últimas páginas de Os Loucos da Rua Mazur, João Pinto Coelho recorda os acontecimentos ocorridos em 1941: «Aquilo que se passou em Jedwabne ocorreu noutros lugares das cercanias e, a coberto dos invasores alemães, pôs a nu um antissemitismo virulento havia muito reprimido». O escritor, obsessivo com o rigor histórico, assinala que, «nos anos mais recentes, os acontecimentos desse verão têm motivado um aceso debate na Polónia». Centrada na preservação da memória coletiva do país, a discussão, no entender de João Pinto Coelho, «procura esclarecer o papel dos polacos nas atrocidades perpetradas contra os concidadãos judeus durante o período de ocupação pela Alemanha nazi». E adverte, por fim: «A história deste livro baseia-se nesses espisódios e qualquer semelhança com pessoas e situações da vida real, sem ser coincidência, não prejudica o caráter ficcional da obra».