Mais de três milhões de livros vendidos e 16 romances traduzidos em 20 línguas fazem de José Rodrigues dos Santos um caso excecional não só na conquista, ao longo dos anos, do mercado português como no alcance da sua exportação para longe das nossas fronteiras. Vaticanum, o seu mais recente romance, lançado em outubro, foi o mais vendido de 2016 a nível nacional (teve até ao momento seis edições e uma tiragem total de 93 mil exemplares). Mas muitos dos seus livros anteriores chegaram também ao top de vendas em países como a França, Canadá, Suíça, Turquia, Hungria ou Bulgária.
No Canadá, por exemplo, A Fórmula de Deus estava ainda na semana passada entre os dez livros de bolso mais vendidos, cinco anos depois de ter sido lançado. Na verdade, os tais três milhões de cópias são apenas uma estimativa avançada pela Gradiva, a editora de JRS, uma vez que, por regra, é difícil ter os números exatos de vendas no estrangeiro porque as editoras locais preferem ocultar os dados para não terem que pagar mais direitos de autor.
À procura de Tomás de Noronha
O sucesso no mercado búlgaro é, desde logo, um dos mais curiosos. Milen Baltov é vice-reitor da Universidade Livre de Burgas (uma instituição privada da segunda maior cidade da Bulgária) e um assumido fã do autor português. Já veio a Portugal várias vezes para visitar os locais da ação de alguns dos romances de José Rodrigues dos Santos e acabou mesmo por incentivar, com a colaboração da embaixada de Portugal em Sófia e do Instituto Camões, a criação de um curso de língua portuguesa.
Foi em 2010 que Milen Baltov se sentiu impelido a ler pela primeira vez um autor português. Nunca ouvira falar de José Rodrigues dos Santos mas achou o nome curioso. “Por um lado era parecido com o do presidente de Angola, por outro o último nome fazia-me também lembrar o Santos, a equipa que celebrizou Pelé”, explica à VISÃO, com humor e num português ainda incipiente mas esforçado, o vice-reitor.
Até então, e apesar de reconhecer que os búlgaros “sempre tiveram uma simpatia por outros países periféricos, como Portugal, e adorarem ler uma grande variedade de literatura europeia”, Milen pouco sabia sobre o nosso país. “Na década de 1980, ainda um estudante do liceu, mas bastante curioso, Portugal para mim era a Revolução dos Cravos, assim como Angola me sabia a café e o Brasil a futebol”, conta. Tal como na grande parte dos países do Leste europeu, “no cruzamento dos séculos XX e XXI, a Bulgária estava mais virada para a literatura e o entretenimento oferecido por americanos e ingleses”.
O Codex 632, terceiro romance de José Rodrigues dos Santos, já então traduzido para búlgaro, pareceu-lhe uma boa forma de conhecer um pouco mais sobre Portugal. “O livro está cheio de mistérios, de códigos, tem muita história e ciência”, conta entusiasmado. A paixão por Tomás de Noronha, herói desse e outros romances de Rodrigues dos Santos, foi tal que Milen Baltov já veio quatro vezes a Portugal empenhado em conhecer alguns dos locais referidos no livro. “Em primeiro lugar fui a Lisboa e tive a primeira surpresa de ter ficado num hotel mesmo atrás da Fundação Gulbenkian, o local onde Tomás Noronha se encontra com agentes da CIA”. Por essa altura Milen conheceu ainda Braga e o Porto, duas cidades que o encantaram, “também pela História e pelo vinho”. Depois foi A Fórmula de Deus, o romance que leu logo de seguida – “com muita ciência, a Física e a Química como elas deviam ser ensinadas na escola, para serem interessantes e compreensíveis”, explica – que o fez regressar a Portugal. Sempre na peugada de Tomás Noronha. “Esse livro levou-me a Coimbra e à sua secular universidade, um lugar acima dos céus, quando se tem em conta a eternidade e a matéria.” Mais tarde, conduzido pel’A Mão do Diabo, “cheio de questões secretas e suposições interessantes sobre as questões que levaram à crise económica”, aterraria também no Alentejo, mais concretamente em Beja para, com ironia fina, “ver esse famoso aeroporto financiado pela UE e com quase nenhum voo por ano”.
Mas a história de Milen Baltov não se ficou apenas pelo lado pessoal de uma paixão literária, longe disso. Há três anos a Universidade Livre de Burgas assinou um protocolo de intercâmbio com a Universidade Nova de Lisboa, ao abrigo do programa Erasmus e, em finais de 2015, com o apoio do embaixador português na Bulgária e com a colaboração do Instituto Camões foi ali criado o primeiro curso de Português. Atualmente, com pouco mais de um ano, o curso conta já com 30 alunos.
A literatura como diplomacia
José Rodrigues dos Santos sabe que “a Bulgária é um caso de sucesso” logo desde o início. “O Codex 632 chegou ao top 10 e a editora búlgara ficou entusiasmada com os resultados e convidou-me para a promoção do segundo romance que publicou, A Fórmula de Deus. O romance chegou a nº 1 e a partir daí todos os meus livros passaram a vender-se excecionalmente bem”, conta à VISÃO. O autor ainda este ano voltou à Bulgária no Natal e viu montras cheias d’O Homem de Constantinopla, que só agora foi ali lançado. A fama do escritor é tal que já lhe aconteceu chegar a Sófia “e ter equipas de televisão à espera”, ou chegar a uma cidade e o presidente da câmara pedir para o conhecer. Mas, para o autor, o mais notável é mesmo a decisão dessa universidade de iniciar um curso de Português devido ao sucesso destes romances. Iniciativa que levou a universidade pública da mesma cidade a planear um curso semelhante. “Isto mostra que a literatura tem o potencial de ser uma forma de diplomacia”, afirma José Rodrigues dos Santos. A curiosidade de alunos e outros leitores, na Bulgária como noutros países, prende-se “com a personagem Tomás de Noronha, com aspetos particulares da obra e com a questão central relativa à relação entre ficção e não ficção”.
Não faltam exemplos. Em França já surgiu mesmo um clube de fãs dos seus livros e até foi criada uma página no Facebook para discutirem a sua obra. Aliás, e ao contrário do que é habitual, A Chave de Salomão, o 13º romance de JRS, publicado em 2014, saiu primeiro em França e só mais tarde em Portugal. Num comentário de 7 de maio de 2014, na sua página de Facebook, o escritor explicava que “em função do enorme êxito dos livros em língua francesa” foi decidido fazer uma edição simultânea do romance em português e francês mas, “devido às características do mercado a editora francesa prefere que o lançamento seja feito em abril. É aparentemente o mês mais forte em França [em Portugal, o melhor mês é outubro, data em que os seus romances têm sido publicados]”.
Não são os portugueses a residir em França quem mais compra ali os romances de José Rodrigues dos Santos mas sim os leitores franceses. “É difícil dizer porquê, exceto que, evidentemente, gostam dos romances, gostam do jogo ficção–não ficção eternamente presente na minha obra. O público francês é muito culto e aprecia romances que abordam questões não ficcionais”, justifica o escritor/jornalista.
As razões do sucesso, nesse e noutros mercados, não são fáceis de explicar, nem mesmo para o autor. Mas nem por isso desiste de tentar: “O facto de os meus romances abordarem questões complexas com uma linguagem simples e através de histórias que agarram os leitores é muito importante; e é essencial que a tradução seja boa e que a editora trabalhe bem na edição e na difusão da obra: ninguém compra livros que desconhece que existem.”

“Talvez se eu me chamasse Joseph Rod Saints fosse melhor”
Apesar do sucesso que tem em vários países é difícil aceder aos números de vendas das traduções dos seus romances. Porquê?
Tirando os casos dos países desenvolvidos, onde a informação prestada é de confiança, o que se passa é que as editoras da generalidade desses mercados mantêm-se muito caladas sobre o êxito dos livros para não terem de pagar mais direitos. Em vários países descobri que os meus romances são presença constante nos tops de vendas e as editoras nada dizem. No Canadá, por exemplo, A Fórmula de Deus estava, ainda na semana passada, no top 10 dos livros de bolso mais vendidos, cinco anos depois de ter sido publicado.
Mais difícil parece ser a conquista do mercado dos Estados Unidos…
A experiência americana passou pela editora Harper Collins, onde houve mudanças. Mas a entrada neste mercado por parte de autores que não sejam de língua inglesa é sempre muito difícil. Creio que, para além de todos os que ganharam o Nobel, só Umberto Eco e Isabel Allende são casos raros de autores contemporâneos que não escrevem em inglês mas saem muito bem nos Estados Unidos. Todos os outros têm muita dificuldade. Lembro-me de ter lido uma entrevista da agente do José Saramago a dizer que, antes do Nobel, ela quase tinha de ir para a cama com o editor americano para o convencer a publicar os livros de Saramago… Trata-se, pois, de um mercado que não acolhe bem autores com nomes “estranhos”. Talvez se eu me chamasse Joseph Rod Saints fosse melhor.
(Artigo publicado na VISÃO 1248, de 2 de fevereiro, de 2017)